Auditorias
Ao longo dos anos, quando sucessivos governantes na área da Educação apresentavam números para demonstrar a justeza das suas decisões, a comunicação social, em regra, amplificava a narrativa, que se considerava fundamentada, e desprezavam-se as críticas de quem afirmava que muitos daqueles números não poderiam estar correctos. Em muitos casos, quem conhece a vida das escolas ou estudou minimamente as estatísticas do sector, como são recolhidas e trabalhadas, sabia que a ficção útil estava a substituir qualquer rigor. O mesmo se passou quando foram feitas denúncias da informalidade de decisões impostas pelo aparelho do Ministério da Educação às escolas e às suas direcções. Não havia “provas”, exactamente porque as coisas eram feitas para que não existissem, logo… os factos não existiam.
Esta semana, quando surgiu finalmente alguma coisa decorrente da auditoria da KPMG sobre os números de alunos sem professores ao longo do ano lectivo, muito do que antes foram críticas tidas por excessivas e maledicentes apareceu na “carta de acompanhamento do relatório da auditora” que o MECI divulgou. Em menos de três páginas enumeram-se algumas das insuficiências e vícios de funcionamento que revelam até que ponto a governação na Educação tem uma sustentação empírica muito frágil.
Há passagens como “o processo de apuramento de alunos sem aulas em vigor não permite apurar com exatidão o número de alunos sem aulas”, ou ”o processo de apuramento de alunos sem aulas não compreende uma definição formal dos mecanismos de controlo e verificação dos dados apurados, bem como a identificação das entidades ou responsáveis incumbidos da sua execução, o que compromete a informação e a transparência do processo”.
Explica-se, ainda, que muitas decisões “são suportadas maioritariamente por contactos telefónicos, não prevendo qualquer processo que documente a revisão/aprovação das referidas correções/ajustamentos. Adicionalmente, o referido processo não prevê mecanismos de validação dos referidos ajustamentos pelas escolas, o que potencia divergências entre os diversos utilizadores”. A conclusão é que, assim, se torna fácil o erro e se inviabiliza “a confirmação independente desses ajustamentos, os quais chegam a afetar 50% dos alunos reportados como ‘sem aulas’”.
Há quem escreva que o dinheiro investido na auditoria foi bem gasto, pois permitiu perceber até que ponto não existe rigor nestas matérias e os procedimentos são irregulares e caóticos. Não sei se consigo concordar, depois de muitos anos a denunciar isto mesmo. Não por ser impossível fazer os cálculos em causa (há formas de o conseguir que escaparam à KPMG), mas porque durante anos a fio, mesmo décadas, se tomaram ficções estatísticas pela realidade. E, principalmente, porque continuamos a ouvir as pessoas que mantiveram este sistema a funcionar como se fossem dotadas de uma qualquer especial sabedoria.