Atestados de Residência: A urgência de tirar o Estado da sua própria ambiguidade

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Em Portugal, é frequente ouvir que as Juntas de Freguesia são a face mais próxima do Estado junto dos cidadãos. E é verdade. Mas também são, demasiadas vezes, a face exposta de um sistema que tarda em assumir a responsabilidade pelo que delega sem condições, sem enquadramento e sem proteção legal. 

A emissão de atestados de residência é um desses casos. O que deveria ser um ato simples de certificação da realidade, onde alguém mora, tornou-se um dos pontos mais sensíveis e frágeis do nosso sistema administrativo, com impactos diretos na imigração ilegal, na habitação e na confiança institucional. 

Enquanto uns se escondem na ambiguidade legal, as Juntas de Freguesia são confrontadas com práticas abusivas que vão desde o aluguer de colchões em casas sobrelotadas até esquemas organizados de falsificação de moradas. E não falamos de situações isoladas. Falamos de redes com impacto nacional, alimentadas por um vazio normativo. 

Como autarca, não aceito esta ambiguidade.  

Por isso defendi, e continuarei a defender, que é urgente reformar o quadro legal dos atestados de residência. E quando digo reformar, não falo de complicar. Falo de trazer clareza, transparência e responsabilidade para um processo que hoje é frágil, desigual e permeável ao abuso. 

Desde logo com um registo digital centralizado de todos os atestados, auditável e interoperável. 

Depois impondo a exigência de documentos objetivos, como contratos registados ou faturas de serviços, como base mínima para certificar a residência. 

Mas também importa impor a limitação do uso de testemunhas apenas a casos excecionais, com registo e responsabilização legal agravada em caso de prevaricação, com a capacidade clara das Juntas de recusar atestados, com parecer técnico e direito ao recurso. 

E por fim um plano nacional de formação, fiscalização e penalização de falsas declarações. 

Nenhuma destas propostas visa dificultar a vida de quem quer trabalhar honestamente ou regularizar a sua situação em Portugal. Pelo contrário. Estas medidas procuram proteger os que fazem bem e impedir que o sistema continue a ser instrumentalizado por quem dele abusa. 

O Estado não pode continuar a olhar para o lado enquanto, nas freguesias, os autarcas tentam fazer malabarismo entre a pressão social, o vazio legal e o risco de exposição pessoal. 

O que está em causa não é apenas um formulário ou um registo. O que está em causa é a capacidade de o Estado proteger os direitos de todos, todos, todos e de se proteger a si mesmo da informalidade que mina a legalidade. 

Por isso, não é um favor que pedimos ao Governo. É um dever que lhe lembramos. 

E quanto mais cedo o assumirmos, mais perto estaremos de um Estado que, de facto, funciona. 

Presidente da Concelhia do PSD em Lisboa 

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