Houve um tempo em que muito se falava de como o vice-presidente dos Estados Unidos estava a apenas uma batida cardíaca de se tornar o homem mais poderoso do mundo. Sim, em caso de morte do presidente, aquele que era o número dois, sem grande poder até então, passava de imediato para os comandos do país (agora também). E, por vezes, com desafios gigantes pela frente, basta pensar em Harry Truman, que sucedeu em 1945 a Franklin Roosevelt, e não só teve que liderar os últimos esforços para derrotar a Alemanha Nazi, como coube-lhe a decisão de usar a bomba atómica em Hiroxima e Nagasáqui para forçar o Japão à rendição e pôr fim à Segunda Guerra Mundial.Truman só se tornou vice-presidente no último dos quatro mandatos de Roosevelt e, de facto, fazia figura de parceiro muito inexperiente do presidente, com quem partilhava a Casa Branca há uns poucos meses. Os próprios planos de construção da bomba atómica, ultrassecretos, foram-lhe revelados já como presidente. Ora, como vice-presidente, Dick Cheney, foi o oposto de Truman. Já tinha ampla experiência, incluindo ser secretário da Defesa de George Bush, quando se candidatou em 2000 à Casa Branca como número dois de George W. Bush. Foi depois um conselheiro decisivo de Bush filho na presidência, sobretudo na reação aos atentados terroristas do 11 de Setembro, e é recordado como um entusiasta da invasão do Iraque, que derrubou Saddam Hussein com o pretexto deste possuir armas de destruição maciça nunca encontradas. Também ficou para a história a sua decisão de não tentar a presidência em 2008, após os dois mandatos de Bush filho (depois da eternização de Roosevelt, uma emenda constitucional veio limitar o tempo na Casa Branca). Não quis assumir as responsabilidades máximas, conta-se, mas também tinha a popularidade a cair. Não deixa de ser estranho o homem descrito como o mais influente e poderoso de todos os vice-presidentes não ter sequer tentado ser presidente. A idade que tinha, 67 anos, naquela época pode ter tido alguma influência, mesmo se hoje isto parece estranho depois das vitórias de Joe Biden e de Donald Trump, com a América a habituar-se à ideia de presidentes octogenários (Biden) ou quase (Trump faz 80 anos em 2026).Contudo, e mesmo se ignorarmos a impopularidade do republicano Cheney em 2008 e o fenómeno imparável que dava pelo nome de Barack Obama, candidato democrata que sucedeu na Casa Branca a Bush filho, nada garante que um vice-presidente em funções consegue ser eleito presidente. Aconteceu com Bush pai, que era vice de Ronald Reagan, mas depois não aconteceu com Al Gore (vice de Bill Clinton), nem agora com Kamala Harris, mesmo se foi uma situação bizarra, substituindo à última da hora como candidata um presidente muito debilitado que procurava a reeleição.Aliás, o próprio Biden, que foi vice-presidente, não tentou suceder a Obama, só se candidatou quatro anos depois. E há o caso curioso de Richard Nixon, que foi oito anos vice de Dwight Eisenhower, tentou a Casa Branca logo em 1960, perdendo para John Kennedy, mas conquistando finalmente a presidência nas eleições de 1968. Também curioso é o percurso de Gerald Ford, que nem sequer foi eleito vice-presidente, mas substituiu um vice a dada altura e depois da demissão de Nixon substituiu também este último na presidência.Não faltam histórias curiosas sobre os vice-presidentes americanos, como a aversão de Thomas Jefferson por John Adams, quando a Constituição admitia que candidatos de partidos rivais fossem eleitos para os dois cargos de topo da nação. Mas o importante a realçar, e a morte de Cheney dá o pretexto para se falar do assunto, é que nada garante que J.D. Vance, vice de Trump, seja o seu sucessor na Casa Branca. Pondo de parte a possibilidade de Trump tentar mesmo um terceiro mandato (não se percebe como o poderia fazer, mas falou disso), não é dado adquirido que os republicanos em 2028 apostem em Vance, muito menos é dado adquirido que o eleitorado americano vote nele para a presidência. Isto apesar de ser visivelmente um vice que merece, para já, a confiança do presidente, e que se mexe para assumir a liderança do movimento MAGA.Diretor adjunto do Diário de Notícias