As meias verdades de Paddy Cosgrave

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Ainda a Web Summit 2025 não tinha sequer arrancado e já uma polémica ganhava corpo. O empresário irlandês Paddy Cosgrave, co-fundador do evento tecnológico, foi ao X (antigo Twitter) queixar-se da escalada dos preços cobrados pelos hotéis em Lisboa nas datas da cimeira, revelando exemplos em que o custo teria disparado "mais de 500%". Entre outras acusações, Cosgrave escreve que há unidades hoteleiras que “se deixam cegar pela ganância e têm a audácia de continuar a reclamar”, no caso contra a plataforma Airbnb, menina bonita deste mundo digital, que desde que foi fundada passou a competir diretamente com os hotéis pelas estadias de curta duração e, assim, face à quebra na procura, também serviu de bode expiatório para o setor tradicional justificar algumas subidas de preços.

A resposta das unidades hoteleiras não tardou. Em declarações ao Expresso, o presidente da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP), Bernardo Trindade, lembrou a Cosgrave que “mais de metade do fee anual que a Web Summit recebe de Portugal vem das taxas turísticas, cobradas aos hotéis em Lisboa” – este ano a câmara de Lisboa entregou 7,2 milhões de euros para organização do evento, financiados por estas taxas. E, na SIC Notícias, Cristina Siza Vieira (vice-presidente executiva da AHP) acrescentou que o que se está a ver é, apenas, a lei da procura e da oferta a funcionar (são esperados em Lisboa cerca de 70 mil participantes na Web Summit).

De facto, e sem querer fazer de advogado do diabo, o fenómeno relatado por Cosgrave nada tem de novidade, tanto em Portugal como no resto do Mundo. Só para dar alguns exemplos, foi assim quando Lisboa recebeu as Jornadas Mundiais da Juventude em 2023; acontece sempre nas cidades que acolhem grandes competições desportivas como os Jogos Olímpicos; e estava também a acontecer em Belém do Pará, que por estes dias é palco da COP30, onde foi necessária uma intervenção do Governo para tentar controlar os preços.

O que realmente espanta é tudo o que Paddy Cosgrave resolveu ignorar no seu post. E não são pormenores. Por um lado, esqueceu-se que o crescimento de plataformas como a Airbnb, cujo negócio é centrado em estadias curtas, veio diminuir substancialmente a já escassa oferta de casas para arrendamento de longa duração, afastando da cidade residentes permanentes.

Por outro, ignorou o papel que os chamados “nómadas digitais”, atores neste novo mundo tecnológico que Cosgrave tanto promove, tiveram no inflacionar das rendas, pois chegam a Portugal até com direito a um visto especial (desde que apresentem um rendimento mensal acima de quatro salários mínimos nacionais) que lhes dá benefícios fiscais para se instalarem no país, trabalhando em nome próprio ou auferindo salários internacionais muito superiores aos que se praticam em Portugal. Valores que, claro, não escapam ao olho gordo de alguns senhorios e dão aos tais “nómadas” uma clara vantagem quando competem, no mercado imobiliário, por uma casa com outros cidadãos menos abonados.

Cosgrave escreveu que não tem “nenhuma simpatia” pelos hotéis que sobem os preços durante a Web Summit. Imagino que o sentimento seja exatamente o mesmo que milhares de pessoas, as que querem viver, trabalhar ou estudar em Lisboa e ficam privadas de o fazer porque não conseguem uma casa a preço acessível, sentirão ao ler o post do empresário irlandês.

Editor Executivo do Diário de Notícias

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