As cidades intangíveis
Italo Calvino deu-nos cidades invisíveis. Deu-nos um mundo paralelo. Deu-nos uma fantasia através de estórias de cidades que vinham contadas e visíveis num livro, que para vê-las Kublai Khan só tinha de fechar os olhos e ouvir Marco Polo, o maior viajante de todos os tempos.
O imperador dos tártaros em pleno século XIII, ao perceber que estava impossibilitado de conhecer todos os domínios geográficos do seu território entrou no metaverso que lhe era possível, usando a imaginação através das descrições do navegador para se satisfazer com deleite das vivências que não viveu numa série de cidades, todas elas com nomes de mulheres.
Gosto de imaginar que Khan colocava os seus óculos de realidade virtual e via por horas a fio, através de teias de palavras e de assombrosas reflexões contadas de forma muito consistente e exata, as cidades, as ruas, as portas, as pessoas e todos os detalhes mais particulares e reais como se dum cenário de realidade virtual se tratasse.
Este mundo proposto e imaginado, mas não vivido fisicamente, lembra também as Mil e Uma Noites. Lembra o cenário futurista dos Substitutos em que os humanoides viviam pelos mortais enquanto estes assistiam à fusão dos seus corpos com óculos de realidade virtual, ecrãs e cadeiras acolchoadas.

As mulheres-cidades de Marco Polo são intangíveis para Khan. Mas Khan consegue senti-las. Experienciá-las. Da mesma forma que Theodore (Joaquin Phoenix) se apaixona por um software em Her e o agente K (Ryan Gosling) se envolve fisicamente com um holograma em Blade Runner 2049.
São 55 cidades. 55 geografias femininas onde o ouvinte se perde, tal como se perdeu o rei da Pérsia nos cenários descritos e imaginados ao longo de Mil e Uma Noites. Estas viagens entre o real e o imaginado, entre o físico e o transcendente, sempre nos foram presenteadas pelas mentes criadoras. Os livros, os filmes, os jogos, são uma viagem. São um teletransporte para uma realidade paralela que existe, que se sente, mas que no fim de tudo não é real. Sente-se, mas não é palpável. É intangível.
Na verdade, a ideia de metaverso sempre esteve presente, é o que me parece, simplesmente agora vem embrulhado numa série de extras que até aqui eram impensáveis. Cada vez mais é possível viver num mundo imaginado que está mesmo aqui ao lado do mundo que é o nosso. A pergunta é se podemos realmente viver com plenitude dentro de um cenário inventado e concebido para nos dar experiências reais... até tirarmos os óculos!
Designer e diretor do IADE - Faculdade de Design, Tecnologia e Comunicação da Universidade Europeia