As eleições autárquicas de outubro serão, provavelmente, as mais importantes das últimas décadas, porque poderão representar o ato final da viragem à direita que está em curso no nosso país. O Chega parte para estas eleições como forte candidato a substituir o PCP como terceira força autárquica e, muito provavelmente, conseguirá eleger presidentes de câmara, vereadores e presidentes de junta um pouco por todo o território nacional. Como notou há dias o advogado Francisco Mendes da Silva, no Público, nestas eleições poderemos assistir a uma espécie de humanização do Chega, que já não será mais associado apenas a André Ventura e aos seus colaboradores mais próximos, mas também às pessoas comuns que, nas aldeias, vilas e cidades do nosso país, darão a cara pelo partido. Isto reforçará o apelo do partido e o seu entrosamento com as “forças vivas” de cada concelho. E tendo empregos e dinheiro para distribuir, o Chega passará a ser mais um partido do sistema, com tudo o que isso acarreta.Entretanto, a esquerda continua o seu processo de redefinição em curso. O PCP tem nas autárquicas mais um teste à sua sobrevivência, embora não se deva subestimar a força dos comunistas no terreno, numas eleições que, como sabemos, assentam mais na confiança em pessoas concretas do que em modas ideológicas. O Livre está a atrair cada vez mais militantes (ver notícia na página 14), mas continua a ser um partido muito centrado nas elites da capital. Enquanto isso, Mariana Mortágua embarcou a caminho de Gaza, prometendo a renovação da esquerda após o seu regresso, deixando o Bloco meio órfão numa altura em que precisava de liderança para umas eleições onde se vão discutir os problemas das populações locais e não os grandes princípios humanitários ou os temas da atualidade internacional. E, por fim, o PS continua o seu caminho das pedras, com um líder, José Luís Carneiro, que tem obtido sinais positivos nas sondagens e gerido com habilidade os equilíbrios internos no seu partido, mas que permanece numa situação frágil, com deputados e candidatos às autárquicas que não foram escolhidos por si. O facto de a liderança do PS não ter conseguido ainda apoiar claramente, sem reservas, o único candidato presidencial que vem da sua área política, o ex-líder António José Seguro, é a prova clara dessa fragilidade. José Luís Carneiro sabe que não tem ainda condições para dar esse passo, por correr o risco de dividir o partido, pelo que o anúncio será feito apenas depois das autárquicas.Dito isto, tudo indica que o caminho que o PS terá de percorrer, se quiser adaptar-se aos novos tempos que vivemos, com uma eventual maioria sociológica de direita (pelo menos em algumas áreas, como a economia e a imigração), terá de ser uma via de moderação e de abertura a novas ideias. O PS tem de conseguir liderar a esquerda a partir do centro e chegar ao eleitorado que nas últimas eleições fugiu para a AD, recuperando o papel de partido charneira do nosso sistema político, em vez de se deixar arrastar para o campo do Bloco e do Livre. Também aqui as autárquicas serão relevantes: o duelo autárquico em Lisboa , entre a direita liderada por Carlos Moedas e a frente de esquerda de Alexandra Leitão, terá também consequências em termos de equilíbrios internos no PS. Bem como o cumprimento do objetivo, fixado por José Luís Carneiro, de conseguir manter a presidência da Associação Nacional de Municípios.