Aplacar a ira de um deus

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Foram várias as civilizações que, um pouco por todo o mundo, em algum momento da sua História, viram os seus antepassados verter sangue humano em sacrifícios, para satisfazer alguma divindade, com vista ao desaparecimento das suas desgraças quotidianas. Raras vezes - na realidade, quase nunca - obtinham o resultado pretendido. Nunca lhes ocorreu que a insuficiência do sacrifício se deveria à ineficácia ou à incongruência de causa-efeito, por ser irrelacionável. Apenas achavam que os sacrifícios não eram suficientes. Até ao dia em que perceberam: afinal, um deus que reclama sangue inocente não é tão divino assim e não corresponde ao que se espera dele.

Serve este intróito para comparar a situação entre Ucrânia-Rússia.

Com uma sede implacável de poder de reconstruir um império russo, mas sendo ele o seu czar-deus, Putin invadiu o país vizinho. Sem qualquer verdadeira razão que o justificasse, indo contra as regras do direito internacional e contra o que ele próprio acordara com esse país (a troca das armas nucleares que existiam na Ucrânia face à promessa de nunca a atacar militarmente e respeitar as suas fronteiras).

Em 2014 quebrou esse acordo, anexou a Crimeia, tornando-a a Checoslováquia do século XXI, com os mesmos argumentos utilizados outrora por Hitler.

Não contente, com semelhanças assaz preocupantes e demasiado próximas da II Guerra Mundial, invadiu o resto da Ucrânia em 2022, iniciando-se uma guerra que ainda se mantém.

Parte do Ocidente percebeu então essas semelhanças e tenta evitar uma iminente III Guerra Mundial.

Todos querem que esta guerra acabe, ou porque já não aguentam, ou por terem medo que, inevitavelmente, o resto do mundo tenha de participar nela.

Uns julgam que tudo voltará à normalidade, aos muitos negócios e a ter paz, assim que os territórios ucranianos passem para as mãos de Putin, como com a divisão da Polónia entre Hitler e Estaline. Mas essa paz não irá acontecer porque Vladimir Putin nunca cumpre o que promete. Reestruturar-se-á militarmente e atacará o resto da Ucrânia, não se ficando por aí. Fá-lo-á com a confiança de que o eixo de poder do mundo está a mudar - e os BRICS lhe dão o suporte necessário para isso.

O mundo já foi dominado pela Ásia e o Norte de África entre 3000 a.C. até à ascensão dos Impérios Grego, Macedónio e Romano, quando esse eixo começou a ter o seu centro na Europa. Esse domínio consolidou-se na época Moderna, tendo sido dividido o poder estratégico com os EUA durante o século XX.

Agora estamos a assistir ao início de um novo ciclo, que volta ao eixo Ásia-África, acrescentando-se-lhes a América do Sul. Sacrificarem a Ucrânia não será a resposta, a ira não será aplacada e ficaremos, cedo ou tarde, todos, na mira desse deus. Cabe-nos perceber e ter a coragem de decidir.

Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico

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