Opinião
18 janeiro 2023 às 00h23

"Até à derrota total da Rússia" e uso de armas nucleares

Jorge Costa Oliveira

Inúmeros analistas sustentam a necessidade de a guerra na Ucrânia continuar até à derrota total da Rússia. Considerando a flagrante violação do Direito Internacional que a invasão da Ucrânia pela Rússia constituiu, acrescida de crimes de guerra imputados a responsáveis russos, essa postura parece natural. Mas depende do que se entenda ser "a derrota total da Rússia".

Após a invasão russa, os países da NATO - e outros - disseram que não se envolveriam militarmente, que a Terceira Guerra Mundial deve ser evitada a todo custo e que a "estabilidade global" é primordial.

Desde o início da guerra que Putin vem ameaçando utilizar armas nucleares. Numa das ocasiões sublinhou que não se tratava de um bluff. O diretor da CIA afirmou que a declaração de Putin era para ser levada a sério. Ao reivindicar Kherson, Zaporíjia, Luhansk, Donetsk e a Crimeia como parte da Rússia, Putin pode considerar qualquer ataque a esses territórios como um ataque à própria Rússia. A doutrina militar da Rússia no que tange à utilização de armas nucleares é, desde o período soviético, a de que não será a primeira a utilizar armas nucleares num conflito. Mas, aparentemente, esta doutrina permite desencadear um ataque nuclear após uma "agressão contra a Federação Russa com armas convencionais quando a própria existência do Estado está ameaçada".

Na conferência anual do Clube Valdai, em outubro de 2022, Putin declarou que "é inútil atacar a Ucrânia com armas nucleares", que "não vemos necessidade disso", uma vez que "não faz qualquer sentido, nem político, nem militar". Com esta declaração, aparentemente fora retirada da mesa a ameaça de utilização de armas nucleares. Mas, na primeira quinzena de dezembro de 2022, o presidente russo veio dar publicamente conta da "reflexão" que está a ser feita na Rússia quanto a uma mudança dessa doutrina para, a idêntico da posição dos EUA, admitir o seu "uso preventivo".

Esta guerra não corre de feição à Rússia. Estas ameaças de Putin de utilização de armas nucleares têm claramente um propósito negocial. Visam relembrar que uma superpotência nuclear não pode ser considerada em plano de igualdade com um país sem armas nucleares. Testam a reação das principais potências ocidentais, em especial a dos EUA. Visam sublinhar ainda que uma potência com armas nucleares não pode ser derrotada numa guerra convencional por um país sem tais armas. E que, se este último não perceber isso, sujeita-se à utilização destas armas pela potência nuclear. Se uma "vitória da Ucrânia" incluir não apenas a reconquista de todo o Donbass (onde uma parte significativa da população se considera russa), mas também da Crimeia - posição sustentada ultimamente pelo presidente ucraniano - podemos estar seguros de que a Rússia não usará armas nucleares táticas? Uma arma nuclear tática pode destruir uma cidade média, abre um perigoso precedente e terá consequências imprevisíveis. Os prosélitos da continuidade da guerra "até à derrota total da Rússia" deviam ter presente que a História mostra que um mau acordo é melhor que uma boa demanda, as fronteiras políticas decorrem de relações de poder e as fronteiras na Europa mudaram bastante nos últimos cem anos. E quem está na linha da frente, para além dos ucranianos, não são os americanos ou os chineses, são os europeus...

Consultor financeiro e business developer
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