É inútil atacar o "estado artificial" ucraniano com armas nucleares, considera Putin 

Líder russo culpa de novo as "elites cosmopolitas" do Ocidente pelo jogo de dominação do qual faz parte o conflito na Ucrânia, país sobre o qual voltou a não reconhecer a sua soberania.
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Nada, ou quase nada, de novo a leste. O porta-voz do Kremlin tinha avisado que o líder russo iria fazer um discurso "muito importante" na conferência anual do clube Valdai, um centro de reflexão ligado ao regime. Mas de "O mundo depois da hegemonia: justiça e segurança para todos", o nome da alocução de Vladimir Putin, saiu mais uma série de ataques aos Estados Unidos e aliados e o piscar de olho às forças políticas extremistas ocidentais, bem como a reafirmação do desprezo a que vota a Ucrânia. Ainda assim, negou ter quaisquer intenções de utilizar armas nucleares na Ucrânia, um conflito que diz fazer parte dos planos do Ocidente para assegurar um domínio global que, no entanto, estará condenado ao fracasso.

Putin disse para uma audiência composta por peritos em política internacional que é inútil atacar a Ucrânia com armas nucleares. "Não vemos necessidade disso. Não faz qualquer sentido, nem político, nem militar". É um facto que deu um sinal de distensão sobre a retórica nuclear - reavivada pelo próprio no mês passado desde o discurso da anexação dos quatro territórios ucranianos, e reiterada num discurso à nação quando disse que não estava a fazer um bluff ao afirmar que iria defender a integridade territorial com todas as armas ao dispor.

DestaquedestaqueQuestionado sobre o plano da "operação militar especial", Putin afirmou que a resistência ucraniana só lhe deu razão.

No entanto, repetiu as afirmações de que a Ucrânia se preparava para detonar uma "bomba suja" radioativa no seu próprio território para culpar Moscovo e insistiu que é o Ocidente que está a aumentar as tensões sobre o perigo atómico. "Estamos a ser chantageados", tendo agora apontado o dedo aos britânicos e a outros líderes ocidentais como os autores de ameaças de um ataque nuclear a Moscovo.

Além do mais voltou a negar à Ucrânia o direito à soberania, ao dizer que o país que invadiu é "um estado artificial criado pelos bolcheviques" e alegou ser um "facto histórico" que os seus habitantes formam com a Rússia um único povo. Questionado sobre se o plano da "operação militar especial" está a correr como esperado, escusou-se a responder sobre os planos militares e argumentou que a resistência da Ucrânia só lhe deu razão. Quanto mais tempo tinha esperado, "pior teria sido, mais difícil e mais perigoso seria" para a Rússia, afirmou.

Ligando a guerra na Ucrânia ao cerne do seu discurso em defesa de um mundo multipolar, disse que se caminha para "uma fronteira histórica, a década mais perigosa, imprevisível e importante desde a Segunda Guerra Mundial".

Putin acusou os Estados Unidos e os seus aliados de tentarem ditar os seus termos a outras nações num jogo de dominação "perigoso, sangrento e sujo" e o conflito em terras ucranianas faz parte de uma luta mais ampla contra o Ocidente, no qual a Rússia está "apenas a tentar defender o seu direito a existir". Ou seja, a Rússia está à defesa ao invadir e atacar civis ucranianos, é o que se depreende das declarações de Putin. Este fez questão de destrinçar "dois ocidentes" e disse que a Rússia não é "inimiga do Ocidente". O problema, afirmou o autocrata, está nas "elites ocidentais" que são "agressivas, cosmopolitas, neocoloniais", ao contrário do Ocidente dos "valores tradicionais, sobretudo cristãos", do qual se diz próximo.

Quem se juntou ao Ocidente foi a afilhada de Putin. Ksenia Sobchak entrou na Lituânia com passaporte israelita, confirmaram as autoridades de Vilnius.

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Filha do antigo presidente da Câmara de São Petersburgo Anatoly Sobchak - o homem que levou o ex-KGB para a autarquia -, Ksenia passou de estrela da TV a opositora do seu padrinho, tendo concorrido às eleições de 2018. Agora fugiu do país depois de a sua casa ter sido alvo de buscas, temendo que o documentário que estava a realizar sobre a tortura nas prisões russas pudesse vir a ser usado contra si.

O porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo, numa ameaça que aparenta ter como destinatário o empresário Elon Musk, disse que os satélites comerciais que participem de alguma forma em conflitos militares são um "alvo legítimo de retaliação", o que levou os Estados Unidos a dizerem que responderão a qualquer ataque desse género. "Qualquer ataque às infraestruturas dos EUA será recebido com uma resposta apropriada", disse o porta-voz do Conselho Nacional de Segurança, John Kirby.

A falar nas Nações Unidas, Konstantin Vorontsov disse que a utilização de satélites comerciais "para fins militares" é uma "tendência extremamente perigosa" e que "constituem de facto uma participação indireta em conflitos militares", pelo que "tornam-se num alvo legítimo de retaliação". Os satélites Starlink, da empresa SpaceX de Elon Musk, estão a desempenhar um papel importante nas comunicações entre os militares ucranianos.

cesar.avo@dn.pt

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