Afinal, quem nos governa? 

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Na passada semana, a ministra da Saúde fez uma declaração que não mereceu a devida atenção, pelo que revela do papel actual de alguns governantes, meras testas de ferro daqueles que efectivamente definem as políticas públicas em áreas cruciais da governação. Transcrevo de forma extensa as declarações colhidas e transcritas pela SIC Notícias: 

“Aprendi que nada nos garante que aquilo que nos garantem que vai acontecer, acontece. A situação que se vive na península de Setúbal é muito preocupante. Acreditei no plano que me foi apresentado e confiei nas equipas. Foi muito penalizador para mim ter assumido politicamente uma solução que me foi garantida e vê-la desfeita sem sequer perceber porquê (…)” 

Estas declarações são especialmente preocupantes, não apenas pela realidade que retratam, até porque quem vive na região conhece a crescente disfuncionalidade do SNS, mas pelo modo como a ministra revela o processo de tomada de decisões e o seu papel de mera comunicadora pública de soluções que a transcendem e nem sequer parece compreender. 

No fundo, ela considera-se penalizada porque assumiu politicamente uma solução que lhe garantiram que funcionaria e nem percebe porque foi “desfeita”. A afirmação de que “nada nos garante que aquilo que nos garantem que vai acontecer, acontece” é um auto-atestado de incompetência acerca da área que tutela, porque revela que foi incapaz de avaliar se o que lhe foi apresentado era credível ou realizável. Apenas acreditou que sim, porque alguém lhe garantiu que funcionaria. Mas quem lhe garantiu isso? E, já agora, para que serve uma governante, se o seu papel é apenas o de “assumir politicamente” o que outros definiram? 

De certo modo é como com a Educação, sem as consequências letais de curto prazo, para a Saúde Pública. Alguém convenceu o ministro a assumir uma “solução” que levaria à colocação de professores em 98-99% das escolas, o que é algo que só alguém com um enorme desconhecimento do terreno pode tomar como verdadeiro. Será que acha que é por acelerar o processo de contratação de professores que eles brotam onde não existem? Do mesmo modo, foi convencido a assumir uma “reforma” da orgânica do ministério que outros delinearam e cujas consequências práticas ele dá toda a sensação de desconhecer. A seu favor tem algo que a ministra da Saúde não tem… a relativa acalmia causada pela recuperação do tempo de serviço, mas, no essencial, é outr@ governante que assumiu “soluções” que lhe foram apresentadas como garantidas e não o são. 

Claro que a questão que se coloca é… afinal, quem é que anda a vender “soluções” a estes governantes? E a segunda questão é… porque temos governantes que “assumem soluções” em vez de tomarem decisões com base nos seus conhecimentos, na sua competência técnica e na sua capacidade política? Ou, resumindo, quem é que, afinal, nos anda a (des)governar? 

Professor do Ensino Básico.

Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico

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