Recordo bem a visita do Primeiro-Ministro Narendra Modi a Lisboa em 2017. Na altura, eu integrava o Governo e, durante a reunião conjunta, elogiei o sistema de identificação Aadhaar — o maior sistema biométrico do mundo, lançado em 2010 e significativamente expandido sob a liderança de Modi. Serve como prova de identidade e residência, permitindo acesso a serviços públicos, subsídios, contas bancárias, declarações fiscais e outros serviços digitais.Tinha estado em Deli e assistido à apresentação do projeto. Com a experiência portuguesa do Cartão de Cidadão, fiquei impressionada com a ambição da iniciativa. Surpreendeu-me saber, mais tarde, pela Embaixadora da Índia em Portugal, que o seu Primeiro-Ministro apreciara e agradecia muito a minha intervenção. Na altura, conhecia menos da história indiana e não percebi o alcance político de um projeto como este na construção da identidade nacional que Modi procura consolidar.A Índia foi, ao longo da sua história, um mosaico de culturas, religiões e estados com diferentes graus de poder. Foram raros os períodos em que um líder conseguiu impor-se e unificar o país de forma duradoura, e frequentes as invasões externas bem-sucedidas — mesmo quando a Índia era, em riqueza e população, superior aos seus invasores. Historiadores apontam que o sistema de castas terá dificultado a criação de um espírito de unidade e comunidade, essencial para resistir a essas investidas.Ainda hoje, a Índia enfrenta o desafio da construção nacional. Desde a independência, alguns líderes tentaram fazê-lo através do voto democrático e num espírito secular e pluralista; Modi procura gerir esse processo com uma combinação de identidade religiosa, nacionalismo e modernização tecnológica— como o Aadhaar exemplifica.Contudo, apesar das tensões internas, a Índia tornou-se uma potência económica mundial e um espaço aberto no contexto da sua região. A UE e os EUA deveriam, por isso, fazer tudo para aprofundar relações políticas, económicas e culturais com Nova Deli.Infelizmente, não parece ser o caso dos EUA, que recentemente impuseram tarifas comerciais punitivas à Índia, após o Presidente Trump tentar humilhar Modi no seu encontro com o Presidente do Paquistão. Esperemos que a UE siga outro caminho, desde logo no plano comercial. Tem sido bem-sucedida na América Latina e pode sê-lo também com a Índia, de quem já é o maior parceiro comercial. Urge concluir as negociações do acordo de comércio livre reativadas em 2022, e que não será menos importante do que o Acordo com o Mercosul, em vias de conclusão.É certo que a Índia participou na recente Cimeira da Organização para a Cooperação de Xangai, junto com a China e com a Rússia. Mas essa episódica solidariedade regional propiciada pela hostilidade de Washington, não exclui outras ligações comerciais e políticas. Bem pelo contrário. Saibamos nós desenvolvê-las. Ex-deputada ao Parlamento Europeu