“É a ilusão do conhecimento, e não a ignorância, o que impede alguém de crescer.” (Jerry Uelsmann, fotógrafo americano, 1934-2022).A vacinação representa um dos maiores desenvolvimentos civilizacionais. Explica, em grade parte, os enormes ganhos em saúde alcançados nos últimos 100 anos. Recentemente, a sua utilidade foi confirmada no controlo da Pandemia Covid-19, estimando-se que tenha evitado a morte de 50 milhões de pessoas. Um percurso ímpar que justificou a atribuição do Prémio Nobel da Medicina de 2023 aos cientistas que descobriram a nova tecnologia da vacina..Durante a Pandemia, as vacinas foram recomendadas em todas as idades após os 6 meses de idade, incluindo grávidas, pessoas imunocomprometidas e as mais frágeis..Nos nossos dias, as diferentes recomendações entre países, a nível mundial, nunca puseram em causa a utilidade, eficácia e a segurança da vacinação. Nos Estados Unidos da América (um dos principais produtores de vacinas) as indicações para vacinação contra a gripe e a COVID-19 são diferentes das portuguesas, uma vez que são universais: são recomendadas para todas as pessoas com 6 ou mais meses de idade. Tomara Portugal poder fazer o mesmo!.Por outro lado, é preciso saber interpretar os registos de eventos adversos atribuídos às vacinas através dos sistemas de farmacovigilância implementados, no nosso país, pelo INFARMED e pela EMA (European Medicines Agency). Como realça a EMA na sua página oficial: “A informação refere-se a eventos médicos observados após a administração das vacinas contra a COVID-19, mas que não estão necessariamente relacionados ou causados pela vacina. Esses eventos podem ter sido causados por outra doença ou estar associados a outro medicamento tomado pelo paciente ao mesmo tempo.”.Por outras palavras: o facto de uma pessoa vacinada ou um profissional de saúde associar um evento adverso à administração da vacina não estabelece uma relação ou nexo de causalidade. É por este motivo que nos ensaios clínicos randomizados e controlados surgem registos de eventos adversos graves, incluindo mortes, no grupo de controlo que recebeu placebo que, assim, serve de comparador. Claro que, em Portugal, tal como em todos os países, há pessoas que morrem diariamente e dessas algumas terão sido vacinadas....Além da inevitável confusão na interpretação do registo de eventos adversos, a nomenclatura utilizada impõe contextualização. Os eventos adversos graves incluem, além da morte e da hospitalização, a incapacidade temporária de executar as tarefas habituais como, por exemplo, devido a febre, mialgias ou dor no local da injeção. Nestes termos, se uma pessoa for vacinada e a seguir notar uma dor no ombro que a impeça de ir trabalhar nesse dia à tarde, este registo irá ser classificado como um evento adverso “grave” por configurar uma incapacidade temporária de trabalho, apesar de, no dia seguinte, estar já apta como anteriormente. Porém, a gravidade do efeito colateral da vacina ficou registada..Um exemplo paradigmático, divulgado por órgãos de comunicação social, ocorreu, em Mafra, a 15 de Julho de 2021 quando 20 jovens, todos menores de 30 anos de idade, apresentaram desmaios e, inclusive, um episódio convulsivo durante a vacinação. Estes eventos que obrigaram à suspensão da vacinação, ocorreram todos na mesma altura, no mesmo centro em Mafra e foram incluídos nas reações adversas graves para análise. Depois, comprovou-se que o fenómeno fora provocado por reação emocional devida ao stress e ao do medo de agulhas....Naturalmente, retomou-se a vacinação, mas permaneceram nos registos essas 20 reações adversas “gravíssimas”. Foi mais uma situação esclarecedora associada à eterna confusão entre a “Estrada da Beira e a beira da estrada”, que nesse dia passou pela linda cidade de Mafra!.Filipe Froes: Pneumologista (ex-Coordenador do Gabinete de Crise para a COVID-19 da Ordem dos Médicos).Francisco George: médico especialista em Saúde Pública (ex-Diretor-Geral da Saúde)