A relevância de Mahatma Gandhi no contexto atual

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Mahatma Gandhi é uma das figuras mais marcantes da história moderna. Não só liderou a luta pela liberdade da Índia, como também inspirou movimentos pela justiça, igualdade e paz em todo o mundo. No seu aniversário, a 2 de outubro, celebra-se o Dia Internacional da Não-Violência. Nesta era de rápida globalização, mudanças tecnológicas, polarização política, incerteza económica, agitação social e crises ecológicas, a relevância dos seus ensinamentos é mais premente.

Gandhi e a política: A filosofia política de Mahatma Gandhi consagra a justiça, a liberdade, a política ética e a participação do homem comum na tomada de decisões. No mundo atual, onde democracias enfrentam crises de credibilidade devido à corrupção, à apatia dos eleitores e à polarização populista, a visão de Gandhi oferece lições para fortalecer a administração local, o orçamento participativo e os projetos de desenvolvimento impulsionados pela comunidade. Na vida pública, acreditava na liderança ética, na integridade e na transparência, e que a harmonia social pode ser alcançada através da verdade, da não violência e do respeito mútuo. A sua visão de dignidade, igualdade e não discriminação é central nas lutas contemporâneas contra o racismo, o sexismo e a xenofobia. Defendia a ação política pacífica contra a injustiça sistémica - força moral que desmantelou um império sem recurso à luta armada.

Gandhi e a economia: A economia gandhiana assenta no princípio "necessidade em vez de ganância" e de que cada geração administra a riqueza para a geração seguinte. Defende a ideia de subsistência e sustentabilidade. As suas palavras, "O mundo tem o suficiente para as necessidades de todos, mas não o suficiente para a ganância de todos", expõem os limites da economia impulsionada pelo consumo. Exortou os ricos a agirem como administradores da riqueza social, modelo que hoje ecoa na responsabilidade social corporativa (RSC) e nas boas práticas empresariais. As suas ideias de autossuficiência encontraram eco durante o COVID, que expôs as vulnerabilidades das cadeias de abastecimento globais. Governos em todo o mundo estão a reconsiderar a produção nacional, a agricultura sustentável e as economias baseadas na comunidade. Gandhi defendia uma visão externa enraizada na força interna. A sua questão ética “Qual a repercurssão nos mais fracos?” continua a ser crucial para abordar a desigualdade e, usando esse critério, exorta os decisores políticos a garantir um crescimento inclusivo.

A presidente indiana, Draupadi Murmu, com o homólogo português, Marcelo Rebelo de Sousa, junto a uma estátua de Gandhi em Lisboa.
A presidente indiana, Draupadi Murmu, com o homólogo português, Marcelo Rebelo de Sousa, junto a uma estátua de Gandhi em Lisboa.

Gandhi e o ambiente: As alterações climáticas, desflorestação e poluição empurram rapidamente a humanidade para uma crise de sobrevivência. O estilo de vida de simplicidade voluntária de Gandhi e o alerta contra o consumo imprudente anteviram preocupações ecológicas atuais. A Missão LiFe (Lifestyle for Environment), enunciada pelo primeiro-ministro Modi, assenta nesse princípio. As suas ideias refletem-se no desenvolvimento sustentável, no minimalismo, nos estilos de vida com desperdício zero e nos movimentos de conservação ecológica mundiais. Hoje, a dimensão ética das alterações climáticas, com maior impacto nos pobres, apesar de contribuírem menos para as emissões, exige pensamento gandhiano. As suas ideias priorizavam as comunidades vulneráveis.

Gandhi e a paz global: Gandhi foi nomeado cinco vezes para o Prémio Nobel da Paz, mas nunca o recebeu. Tal tem sido motivo de pesar para o comité do Nobel, expresso em várias ocasiões. Numa era de armas nucleares, terrorismo e guerras por procuração, o seu apelo à paz por meio da não violência, do diálogo e da reconciliação é uma bússola moral. Líderes como Martin Luther King Jr., Nelson Mandela e Desmond Tutu inspiraram-se diretamente em Gandhi. Insistia que a paz não é apenas a ausência de guerra, mas uma cultura fomentada através da educação, da tolerância e da justiça. Num mundo interligado, mas dividido, a sua mensagem de coexistência pacífica continua a ser indispensável.

Gandhi e a ética na vida quotidiana: O caminho gandhiano não é uma relíquia do passado, mas um guia para o futuro. A sua ética pessoal é profundamente relevante. Hoje, isto poderá incluir a busca pela verdade na era da desinformação, o diálogo respeitoso para amenizar conflitos e escolhas éticas de consumo. A sua filosofia de não violência, verdade, simplicidade e inclusão oferece soluções duradouras para problemas como guerra, desigualdade, crise ambiental, corrupção política e decadência moral. Mahatma Gandhi disse: “A minha vida é a minha mensagem”, mas nunca pediu para ser copiado ao milímetro. Cabe-nos adaptar e reinterpretar criativamente as suas ideias para os desafios contemporâneos.

Embaixador da Índia

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