Na véspera do encerramento da campanha para as autárquicas, Pedro Nuno (PNS), por quem tenho estima pessoal, dedicou uma publicação nas redes sociais a Alexandra Leitão, manifestando-lhe o seu apoio para a disputa de domingo. Um texto com os expectáveis remoques ao mefistofélico Carlos Moedas e as previsíveis hossanas à sua antiga líder parlamentar, uma das principais responsáveis, recorde-se, pelo seppuku estratégico que relegou o PS para terceira força na Assembleia da República.À partida, como a maioria das arengas típicas da antecâmara da ida às urnas, quando fulano se lembra de notar urbi et orbi quão notável é beltrano, a publicação teria tudo para ser um bocejo. No entanto, e sendo justo, PNS enferma de outros males que o inabilitavam (e inabilitam) a ser líder de um partido de poder, mas o aborrecimento é algo com que dificilmente o ex-secretário-geral socialista virá a brindar-nos.No afã de pedir a concentração de votos em Leitão, para evitar que Lisboa tenha um presidente que governa “apenas para alguns”, PNS disse ter “muito respeito pelo PCP”, notou que foi proposto ao partido de Paulo Raimundo “trabalho conjunto na definição do programa eleitoral para a cidade” – só faltou repetir que João Ferreira foi convidado para número dois da coligação – e puxou do bicho-papão da “recomposição social em curso” na cidade para vaticinar que esta talvez seja “a última oportunidade” para estancar a saída de jovens de Lisboa. Até 2021, sabemos bem, a capital não só retinha os seus maiores talentos como conseguia seduzir os melhores sub-35 do planeta. Tudo graças à visão, às políticas ousadas e até mesmo ao charme de António Costa e Fernando Medina, mas adiante.Para travar Moedas, dizia, e mesmo que os comunistas não gostem do conceito e do efeito do voto útil, PNS considera só existir uma hipótese: votar massivamente naquele Frankenstein alfacinha em que socialistas democráticos se amalgamam, por prazer ou sujeição, com apóstolos do sr. Tavares, revolucionários naufragados e animalistas em vias de extinção. As coisas são o que são e o pragmatismo é bonito, PNS gosta dele e, carregando-o sempre na algibeira, até se arvora em porta-voz dos canhotos de bem: “O pior que poderia acontecer ao PCP era a coligação Viver Lisboa perder, para Moedas, por menos votos que os que o PCP e João Ferreira terão. O eleitorado de esquerda de Lisboa não iria perdoar ao PCP.”Mais espantoso que o argumentário - papagueado, aliás, por comentadores próximos de PNS - é a alternativa incontida algures no meio da prosa: ao contrário do que acontece em legislativas, realçou o líder emérito do frentismo burguês, em autárquicas é presidente de câmara “quem tem mais votos”. Algo que só mudará alterando o sistema eleitoral para o poder local e isso, condena o ex-líder do PS, o PCP não quer.O subtexto é demasiado evidente: o país guinou drasticamente à direita e por um punhado de votos a AD ou o Chega podem vir a governar várias autarquias. Por isso, PNS quer que se possa mimetizar à escala municipal a jogada, tão legítima quanto oportunista, de António Costa em 2015. A sugestão, estou certo, traz implícita a imposição de limites a PSD, CDS e Iniciativa Liberal em nome, claro, da saúde da nossa democracia. Tais limites, por direito divino e com bênção mediática, não se aplicarão ao PS, que poderá conluiar-se com quem bem entender - dos herdeiros morais dos regimes mais sangrentos aos fervorosos adeptos de grupos terroristas, passando por profissionais da promoção de convulsões sociais (alguns com assento regular em estúdios de televisão).No actual contexto, sendo inequívoco que as autarquias carecem de reformas profundas, se a direita democrática ceder a um delírio similar e cair nesta ratoeira, tem um de dois caminhos. Hipótese a): Aceita ser apeada do poder por habilidosos de turno e geringonças locais. Hipótese b): Recusa a dualidade de critérios e passa tinta branca sobre as linhas vermelhas. Para suicídios políticos, basta os que vimos recentemente. Como o de PNS e o do seu PS. Consultor de comunicação