Durante décadas, a frase “A quem é que ligo quando quero falar com a Europa?” foi atribuída a Henry Kissinger. Mas em 2012, o papa da diplomacia americana, secretário de Estado de Richard Nixon e Gerald Ford, veio desfazer o mito, garantindo, numa conferência na Polónia, não ter a certeza de ter pronunciado aquelas palavras. Mas “era uma boa frase, por isso, porque não ficar com os créditos?”Ora se longe vão os anos 70, em que Kissinger punha e dispunha na política externa dos EUA, a dúvida sobre quem fala em nome da Europa continua pertinente. Sobretudo num momento em que o continente parece cada vez mais à margem das grandes decisões, como as negociações entre EUA e Rússia com vista à paz na Ucrânia. Enquanto em Riade, o atual secretário do Estado americano, Marco Rubio, e o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov se reuniam para discutir as relações entre os dois países e o caminho para a paz na Ucrânia, quase três anos depois da invasão russa de 24 de fevereiro de 2022, os líderes europeus pareciam um pouco perdidos diante da iniciativa americana. Na véspera o presidente francês, Emmanuel Macron, reunira no Eliseu os líderes de alguns países da UE - Alemanha, Itália, Polónia, Espanha, Países Baixos, Dinamarca -, das instituições europeias, Ursula von der Leyen e António Costa, bem como do Reino Unido e da NATO. Criticado por aqueles que ficaram de fora desta reunião “dos grandes”, Macron viu-se obrigado a fazer uma segunda reunião na quarta-feira, com outros países, entre os quais Portugal.Os europeus exigem um lugar à mesa das negociações - das quais EUA e Rússia parecem ter excluído, para já, os próprios ucranianos -, mas a grande dúvida é quem irá ocupar esse lugar em nome da Europa.Criticados pelo vice-presidente americano, JD Vance, que na Conferência de Segurança de Munique afirmou: “A ameaça que mais me preocupa em relação à Europa não é a Rússia, não é a China (…), é a ameaça que vem de dentro: o recuo da Europa em alguns de seus valores mais fundamentais”, os líderes europeus ainda nem terão começado a discutir quem será o seu “enviado especial” às negociações sobre a Ucrânia. Macron, anfitrião das reuniões de Paris, parece candidatar-se, a italiana Giorgia Meloni, pela proximidade com Trump (foi a única dos 27 na sua tomada de posse) seria uma opção, tal como Von der Leyen ou Costa por falarem em nome da União.A verdade é que Macron bem pode dizer que “devemos continuar a trabalhar com os países da UE para afirmar a nossa soberania, para definir a nossa força”, mas se Trump ou Rubio não souberem a quem ligar para negociar com ela, a Europa continuará, como dava a entender Kissinger, a fazer pouco mais do que papel de figurante na nova ordem mundial.Editora-executiva do Diário de Notícias