A mentira conveniente das empresas "de todos"

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Em Portugal, perpetua-se um mantra, muito motivado pela falta (propositada…) de formação financeira nas escolas: as empresas públicas "são de todos". É uma frase bonita, quase patriótica. Mas é também uma das maiores mistificações económicas do nosso tempo.

Na realidade, o cidadão comum não tem qualquer poder sobre essas empresas. Não pode vender a sua "quota", não pode votar na sua gestão, não pode influenciar decisões estratégicas. A propriedade é nominal, simbólica — e serve apenas para justificar a captura por elites políticas e burocráticas, sejam elas de esquerda ou de direita nacionalista.

Como disse Milton Friedman, "Nada é tão permanente como um programa governamental temporário". A máquina estatal perpetua-se, mesmo quando já não serve o interesse público. E fá-lo, sempre, com uma eficiência brutal na redistribuição de custos para os mais vulneráveis.

A História está cheia de exemplos de má gestão estatal: a British Leyland, nacionalizada na década de 1970 para salvar empregos, afundou-se em má qualidade e baixa produtividade; a Petrobras, nos anos 2000, tornou-se símbolo de corrupção e má alocação de capital; todas as empresas soviéticas, sobretudo nas décadas de 1970 e 1980, produziam em massa bens inúteis (e de péssima qualidade) enquanto bens essenciais escasseavam. Estes casos não são exceções — são sintomas de um modelo que elimina incentivos, promove a captura política e desperdiça recursos.

Hayek alertava: nenhum órgão central consegue planear eficientemente uma economia. Historicamente, nunca aconteceu — isto porque a informação relevante está dispersa, é fluida e em constante mutação, impossível de centralizar.

Friedman e os monetaristas foram mais longe: políticas de estímulo prolongadas só geram inflação — um imposto encapotado que corrói o poder de compra e, como tal, afeta sobretudo os mais pobres.

Hunter Lewis, na sua crítica austríaca a Keynes — o homem do “Estado deve investir mesmo o que não tem em tempos de crise” e cujas ideias são tidas ainda hoje, contra todas as evidências em contrário, como geniais por muitos, apesar da inflação e dívida que isso inevitavelmente gera, e das (muitas vezes maiores) crises que provoca a jusante — desmonta eficazmente a ilusão: baixar artificialmente taxas de juro não cria riqueza, apenas distorce sinais de mercado e alimenta bolhas.

Keynes e Marx (já agora) têm em comum serem admirados por pessoas que ficaram paradas em períodos em que os modelos económicos pareciam poder ser simples (simplistas, mesmo) e daí não passam. E são admirados quase religiosamente, independentemente de terem feito mais mal às sociedades onde as suas teorias foram experimentadas do que muitas guerras — no caso de Marx, o número de mortes é mesmo superior.

A esquerda, incluindo a dita moderada, adora pintar o mercado como um monstro insaciável. Mas a História demonstra repetidas vezes o contrário: os EUA pós‑Segunda Guerra Mundial viram a liberalização impulsionar crescimento e emprego (di-lo a U.S. Bureau of Economic Analysis), a Alemanha Ocidental, com a sua economia social de mercado, gerou prosperidade generalizada (enquanto a metade Oriental literalmente passou fome); o Chile, após reformas liberais, registou uma das maiores reduções de pobreza da América Latina — e mesmo hoje, apesar de instabilidade política, continua a recuperar com mais agilidade do que os seus vizinhos. A Argentina, por contraste, alterna entre populismo e intervencionismo, e os seus mercados, mesmo nos piores períodos, têm demonstrado maior capacidade de adaptação do que o Estado.

Hoje, em tempo real, assistimos ao “libertário” Milei a conseguir números de crescimento económicos nunca vistos num século e redução efetiva da pobreza que já lhe valeram elogios até da UNICEF. Será cedo para dizer que esta viragem argentina foi aposta ganha (até porque as forças internas habituadas a viver do Estado ainda podem interromper o processo), mas pelo menos já é mais do que seguro juntar este caso a todos os outros que levaram Cass Sunstein, nada suspeito de neoliberalismo, a reconhecer: mercados livres garantem igualdade formal de acesso às trocas e oportunidades. E, como tal, acrescento, a criação de riqueza.

E francamente, é incompreensível como marxistas, leninistas, trotskistas, maoistas, enfim, socialistas em geral são, no fundo, sempre contra a ideia de criação de riqueza — desde que esses projetos não sejam deles próprios, claro… Ignorar isto é mesmo só burrice.

A Suécia é outro exemplo frequentemente citado como modelo de "socialismo que funciona". Mas essa leitura ignora o papel decisivo que o mercado livre teve na construção da sua prosperidade. Após crises nas décadas de 1970 e 1980, o país implementou reformas liberais nos anos 1990 — privatizações, abertura ao comércio internacional, disciplina fiscal — que permitiram recuperar o crescimento. Hoje, as exportações representam cerca de 55% do PIB (ou 70% excluindo o setor público), e empresas como Spotify, IKEA e Ericsson são fruto de um ambiente de mercado dinâmico.

Mas atenção: o atual custo do welfare state sueco está a pesar — cerca de 28% do PIB é gasto em despesas sociais, e mesmo após impostos sobre benefícios, o peso líquido ronda os 25% (dados McKinsey, 2023). A queda no crescimento do PIB per capita e a desaceleração da produtividade colocam em causa a sustentabilidade financeira de todo o modelo. Ainda há pouco tempo, a consultora McKinsey escreveu que se a Suécia tivesse mantido o ritmo de crescimento das duas décadas anteriores, teria hoje mais 650 mil milhões de coroas suecas (€58 mil milhões) em PIB — o equivalente a 10% do PIB atual.

Já a Dinamarca conseguiu equilibrar melhor o seu modelo. Embora também tenha um Estado social robusto, manteve disciplina fiscal mais apertada e carga regulatória mais leve. O país ocupa consistentemente os primeiros lugares nos rankings de liberdade económica, e o seu sistema de flexigurança combina flexibilidade laboral com proteção social.

Só que esta capacidade nórdica de conciliar Estado social com dinamismo económico exigiu uma disciplina institucional, cultural e política que nem todos os povos têm — e que não pode ser simplesmente importada ou replicada por decreto. Não é o modelo que falha — é a falta de maturidade para o aplicar.

Mas mesmo quando há maturidade para gerir bem “bens públicos”, mantém‑se a verdade factual: as empresas públicas não "são de todos". São, isso sim, de quem as controla — e os custos recaem sempre sobre quem menos pode pagar. Mercados livres, regulados com parcimónia, têm‑se revelado mais eficazes, mais produtivos e, portanto, mais justos.

Na realidade, é mais verdadeiro dizer que uma empresa "é de todos" quando está em bolsa e qualquer cidadão pode ser seu acionista, do que quando está sob domínio público e dependente da vontade política de quem exerce o poder.

A verdadeira democracia económica não se faz com monopólios estatais ou empresas públicas em concorrência desleal com os privados (sim, desleal porque, em último recurso, podem sempre contar com um bail‑out do contribuinte). Faz‑se com mercados abertos onde todos têm voz e escolha.

Está na hora de desmontar o mito e exigir um Estado que proteja direitos, não que administre empresas. A História demonstra — e continua a demonstrar — que o liberalismo social e económico funciona na esmagadora maioria dos casos. Não o usar e insistir no seu contrário é mesmo só burrice.

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