"Vai preparando uma conferência de imprensa que eu já te volto a ligar”, disse-me Jorge Coelho. Eu era, então, seu adjunto de imprensa. Passava pouco das 23h00 do dia 5 de Março de 2001, quando este telefonema antecedeu um outro onde me acrescentou: “Marca a conferência de imprensa porque eu vou demitir-me.” Perguntei-lhe as razões da demissão. Lembro-me de lhe ter dito: “Que culpa tens tu que uma ponte caia à passagem de um autocarro?” Jorge Coelho respondeu-me: “Sim, mas nesse autocarro iam 59 pessoas que morreram. Não tenho condições para continuar. Tenho de assumir as responsabilidades disto.”Este episódio da minha vida profissional ensinou-me que a responsabilidade política é independente da culpa. Ao contrário da responsabilidade criminal, financeira, civil ou disciplinar, na narrativa da responsabilidade política não entra a equação da culpa. A responsabilidade política tem a ver com as condições que ficam para o exercício das funções (políticas) que estão a ser desempenhadas. Quem exerce funções políticas tem de sujeitar-se ao escrutínio, a uma avaliação permanente do eleitorado. A responsabilidade política não é marcada apenas por questões de Justiça. A responsabilidade política pode ter a ver com um desastre natural, um acidente grave, uma catástrofe. E quem está no poder no momento de um desses acontecimentos tem de avaliar se tem condições para continuar no exercício das funções que desempenhava. E tem de decidir se fica ou deve sair para preservar a dignidade e a imagem da instituição que representa. Ficar pode ser pior. Jorge Coelho decidiu sair perante a inesperada queda de uma ponte onde faleceram 59 pessoas. Permanecer como ministro significaria um calvário, uma enorme pressão mediática, um doloroso escrutínio das oposições. A culpa, a dimensão técnica da falha estrutural da Ponte Entre-os-Rios, seria avaliada mais tarde. Como político responsável Jorge Coelho não tinha qualquer informação sobre os pilares da ponte (apenas sabia do mau estado do pavimento) mas entendeu que a partir do momento da queda não tinha mais condições para o exercer o cargo de ministro do Equipamento Social.Sobre o Elevador da Glória é possível que o Ministério Público tenha já no seu radar judicial alguns responsáveis pelo incidente. A culpa irá ser determinada e alguém poderá ter de responder por homicídio por negligência. Há pertinentes perguntas para serem respondidas. Quem e quando foi decidida a contratação externa da manutenção do Elevador da Glória? É verdade que esse primeiro momento de contratação externa se verifica em 2011 com António Costa como presidente da câmara? É verdade que em 2017 a empresa MNTC é contratada para a manutenção do Elevador da Glória por Fernando Medina? E é, ainda, verdade que essa empresa não está devidamente credenciada para exercer a manutenção do Elevador da Glória? Qual a responsabilidade da administração da Carris em tudo isto? São perguntas para as quais o Ministério Público e as restantes entidades encarregadas de investigar as causas do trágico acidente têm agora de encontrar resposta. E descobrir também os culpados. A tal culpa que é dispensável na lógica da responsabilidade política. Carlos Moedas não é, seguramente, responsável por decisões políticas que não lhe pertencem. Não será, igualmente, responsável por eventuais omissões ou erros técnicos cometidos na manutenção do Elevador da Glória. Mas a tragédia aconteceu durante a sua gestão camarária. Ainda que sem culpas técnicas o escrutínio a que vai ser sujeito nas próximas eleições não deixará de incluir as 16 mortes que aconteceram durante o seu mandato. Sob sua direcção pairará a sombra de uma tragédia que enlutou Lisboa e a colocou, pelas piores razões, no radar mediático internacional. Carlos Moedas, ao contrário de Jorge Coelho não se demitiu. Mas não será só uma cidade suja, sem policiamento, com gente a dormir nas ruas que ditará o resultado das eleições em Lisboa. Esse resultado será também marcado pela insustentável leveza da responsabilidade política de Carlos Moedas na queda do Elevador da Glória. Jornalista