A fúria ‘deswokizante’ de Trump

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Além da visita à Casa Branca ou ao Capitólio, um passeio pelo Mall, em Washington, não fica completo sem a ida a um dos museus da Smithsonian Institution. Dos 21 museus (e um zoo) que fazem dela a maior instituição museológica do mundo, 11 ficam ali. National Portrait Gallery, Arte Americana, Ar e Espaço ou História e Cultura Afro-Americana, os Smithsonian tem ofertas para todos os gostos. E grátis. Mas a instituição criada em 1846, com fundos doados pelo britânico James Smithson, está agora na mira de Trump, que quer acabar com o wokismo do seu conselho de administração.

“Outrora amplamente respeitada como um símbolo da excelência americana e um ícone global de realização cultural, a Smithsonian Institution tem estado, nos últimos anos, sob a influência de uma ideologia divisiva e centrada na raça”, lê-se na ordem executiva Restaurar a Verdade e a Sanidade à História Americana, assinada por Trump a 27 de março.

Numa visita a Washington, há uns anos, juntei-me a uma multidão de famílias americanas numa visita ao Museu do Ar e do Espaço, maravilhando-me com a primeira aeronave dos irmãos Wright, o fato que Neil Armstrong usou ao pisar a Lua ou uma rocha lunar que os visitantes podem tocar.

Financiado em 60% pelo Governo Federal, o Smithsonian também recebe contributos de fundos fiduciários e fontes privadas. Por inerência de funções, o presidente do Supremo Tribunal e o vice-presidente dos EUA fazem parte do seu conselho de administração. E foi a JD Vance que Trump entregou a tarefa de “eliminar a ideologia imprópria” desta instituição.

Ora, vale o que vale e, não sendo representativa de todo o seu pensamento, é difícil ver wokismo na entrevista que Lonnie G. Bunch III, primeiro afro-americano a liderar o Smithsonian, desde 2019, deu ao DN em 2023. Sobretudo quando, questionado sobre as contradições dos Pais Fundadores da América, respondia: “A esperança é que os estudantes compreendam que eles tinham grandes ideais, mas não viviam de acordo com eles. O nosso desafio, como nação, é chegar a esses ideais.” E sobre os líderes atuais, dizia: “Há hoje pessoas dos dois lados da política que compreendem que a América é melhor quando se compreende a si própria e que não o consegue fazer sem olhar para as questões da escravatura, mas também há pessoas que pensam que isto não deve ser feito, porque tem que ver com culpa.” E acrescentava: “Acredito que o trabalho de um historiador, que o trabalho de um bom museu, é muito simples: é definir a realidade e dar esperança.” E que reafirmou agora.

Mas Trump não parece convencido que seja essa a sua missão. O presidente parece estar decidido a moldar a realidade à sua visão do mundo. E o Smithsonian é a última vítima da sua fúria “deswokizante”.

Editora-executiva do Diário de Notícias

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