A França e a Alemanha montaram um “eixo” militar? 

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Nesta corrida aos armamentos em que a União Europeia se meteu constato, lendo a Euronews, que a Alemanha e a França juntas representaram cerca de 44% do total de gastos de defesa da UE em 2024. Esta proporção deve manter-se ou aumentar: os germânicos, sozinhos, já projetam orçamentos para a Defesa de 100 mil milhões de euros ao ano e os gauleses de 68 mil milhões. 

A França e a Alemanha fizeram três guerras entre 1870 e 1945. A “construção europeia” foi, em larga medida, uma tentativa de amarrar definitivamente estes dois países, tornando a guerra entre eles impensável. Mas, se olharmos para o catálogo de compras militares publicamente anunciado por eles, lemos muita desconfiança.  

A França define, em todas as suas leis de programação militar, a autonomia estratégica como objetivo central, não a obediência a uma qualquer estratégia comum europeia: o país quer ter capacidade de dissuasão nuclear própria, quer ter capacidade de intervir sozinho em África ou no Médio Oriente e, por cima disso, exige proteção económica para a sua indústria de defesa.  

A Alemanha lançou agora uma Zeitenwende (uma reviravolta) para se rearmar e começou por comprar sobretudo equipamento “de prateleira”: F-35 norte-americanos para garantir a missão nuclear da NATO, baterias Patriot e o sistema antimíssil Arrow-3 israelita, ancorando tudo numa sua iniciativa chamada European Sky Shield, que junta mais de vinte países em torno de uma arquitetura de defesa aérea basicamente atlanticista.  

A prioridade da Alemanha não parece ser, portanto, a autonomia, mas antes a de garantir interoperabilidade (e, portanto, dependência técnica) com os EUA e mostrar rapidamente à opinião pública e aos aliados que está pronta para uma guerra com a Rússia.  

A França, pelo contrário, recusa os F-35 e insiste no avião “nacional” Rafale. O regime de Macron investe ainda, com a Itália, no sistema de defesa antiaérea SAMP/T como alternativa aos americanos e israelitas Patriot e Arrow-3. Além disso, desconfiada, ficou de fora da Sky Shield por a considerar demasiado dependente de tecnologia norte-americana e israelita.  

Teoricamente há pelo menos dois programas militares conjuntos entre França e Alemanha: o FCAS (com os espanhóis) para fabrico de um caça de sexta geração, e o MGCS, para uma família integrada de plataformas de combate terrestre a criar até 2040.  

No papel, são o embrião de uma estratégia militar comum; na prática, arrastam-se as guerras de quotas, de propriedade intelectual, de protagonismo entre as empresas Dassault (francesa) e Airbus (consórcio europeu) e entre Paris e Berlim.  

Os dois países, como os restantes da UE, justificam a enorme subida na despesa militar com a segurança global da Europa, mas o desenho concreto das compras militares responde claramente a agendas diferentes: a França quer continuar a ser uma potência militar autónoma, a Alemanha quer ser rapidamente grande na NATO e, por isso, reforça a dependência técnica dos EUA, o que compromete a Estratégia Industrial de Defesa Europeia, lançada o ano passado por Von der Leyen.  

Assim, a escalada de armamentos na Europa suscita igualmente um rearmamento nacional paralelo, escondido numa retórica europeia que tenta iludir a tradicional desconfiança e a prevalecente competição entre supostas “nações amigas”.  

O “eixo” França-Alemanha em torno do qual se move a guerra da União Europeia à Rússia é, obviamente, bastante frágil. 

 Jornalista

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