A Europa entre a espada e a parede

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António Costa e Ursula von der Leyen estão desde ontem em Beijing, para uma cimeira no quadro dos 50 anos das relações diplomáticas entre as duas partes. Xi Jinping recusou deslocar-se a Bruxelas e só depois de muita insistência aceitou o encontro em Beijing.

A imprensa chinesa diz que a reunião é importante. Não podia falar de outra maneira, estando o presidente Xi presente. Mas, para além de verem o nosso continente como um mercado de grande relevo, a Europa é tida como uma curiosidade histórica e pouco mais. Vai-se ao continente africano para ver os cinco magníficos – o leão, o elefante, o búfalo, o rinoceronte e o leopardo. Da China, o turista vem à Europa para ver outras cinco maravilhas –a Catedral de Notre-Dame e o Museu do Louvre em Paris, o Monte Saint-Michel em França, a cidade de Veneza e o Vaticano em Roma, embora o leque de escolha seja bem mais vasto. África é o museu da natureza, e a Europa o das belas-artes e do passado. É neste contexto que para Xi, o poder geopolítico não mora aqui.

Ao olhar para o futuro próximo, digamos para os cinco anos que aí vêm, ou mesmo para um período mais longo de dez anos, a Europa continuará à procura dos fragmentos e dos projetos necessários para construir a sua unidade. A Europa, como união política, é uma entidade frágil.

A China, ao contrário e com um comando central férreo, tem-se transformado numa potência proeminente. Tem todas as condições para o ser: uma situação geográfica absolutamente central, com uma dimensão populacional gigantesca, e outros milhares de milhões de pessoas nos países à sua volta ou a ela ligados pelos corredores terrestres e marítimos da Nova Rota da Seda. Possui uma base industrial dominante, multiplicada diariamente por uma inovação industrial imparável, pelo desenvolvimento acelerado da Inteligência Artificial, pela computação quântica e por uma produção em larga escala de energia renovável. A abundância em matéria de energia é um dos grandes trunfos do futuro. A economia digital precisa de muita energia, produzida a custos incrivelmente baixos.

Mais ainda, a China aposta numa diplomacia forte e de aparência construtiva, capaz de explorar as velhas feridas do passado colonial da Europa e a agressividade de novo crescente dos EUA. Será a diplomacia da nova libertação nacional para muitos países do Sul, que completarão agora o que não conseguiram fazer na primeira fase das independências coloniais, há cerca de cinco ou seis décadas. Podem agora contar com uma superpotência hostil ao velho colonialismo, a nova China.

Sem esquecer o alto grau de patriotismo e de orgulho cultural da parte dominante da população na China. Estas características são evidentes na maneira como a China tem modernizado as suas forças armadas, no aumento da sua assertividade em relação a Taiwan e a certos países ribeirinhos do Mar do Sul da China. O programa militar chinês é bem maior, mais inovador e integrado do que aquilo que se estima no Ocidente.

Primeiro construtor mundial de navios de guerra, investimentos enormes em aeronaves furtivas, arsenal nuclear em constante desenvolvimento, espionagem digital, IA e sistemas autónomos de combate, a exploração do espaço, o uso dual da tecnologia, e tudo o mais que a China hoje é e ambiciona ser.

O Ocidente parece estar equivocado em relação à China. A declaração aprovada pela NATO na recente cimeira de Haia não fez qualquer referência à China. Esteve mais preocupada com a Rússia e com a aquisição de armamento aos EUA. É verdade que a Rússia é uma ameaça para certos países vizinhos que não estão na sua esfera de influência. Mas não possui a base económica suficiente para sustentar a prazo os devaneios imperiais que herdou do passado.

Ao contrário, a China tem a economia necessária e aposta em três trunfos, que são a inovação tecnológica, o comércio internacional e um aparente respeito pela soberania de cada Estado. São apostas políticas. E, no futuro, ganhará quem der de si uma imagem pacífica e colocar as cartas do relacionamento externo sobretudo nas dimensões políticas.

O jogo é outro. Os cinco por cento em defesa, os aviões de guerra abatidos por drones adquiridos na Amazon ou no Alibaba por tuta e meia, os homens e as mulheres fardados em grande número para marcar passo e impressionar nos desfiles militares, tudo isso alimenta uma economia equívoca e gera um sentimento de defesa enganador, que facilmente se esvai na luta geopolítica.

Os europeus têm de saber lidar com Donald Trump e compreender o que está a acontecer na China. Para já, dão a impressão de ter medo do americano e de ignorar Xi Jinping e a geração que virá a seguir. Não podemos comparar a mentalidade europeia nem com a dominante nos EUA, nem com a da China. Precisamos, enquanto europeus, de oferecer uma alternativa. Que alternativa? A resposta é clara: definir quais são as ameaças reais, defender a unidade europeia, os nossos regimes democráticos, combater os extremismos políticos e a manipulação da opinião pública. Tudo isto é trabalho político, com verdade na educação e na informação, e coragem na intervenção pública. Se elegermos líderes assim, seremos respeitados por todos, de Washington a Beijing, e trataremos dos ditadores com a distância e as barreiras que merecem.

Conselheiro em segurança internacional.

Ex-secretário-geral-adjunto da ONU

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