"Começamos a casa pela escada." – disse o arquiteto..Agarrou numa lapiseira 0,5 e riscou. À medida que aquela lapiseira ia engolindo esquiços, uma escada nascia. E eu conseguia vislumbrar os degraus a mudarem de cor com a luz que se esgueirava pela janela que foi ali desenhada de propósito para iluminar o objeto mais nobre daquela casa: a escada..A escada estava incompleta. Os cobertores saiam das paredes, mas os espelhos foram suprimidos no esquiço.."Então?" – perguntei eu.."Então... o resto serão os teus olhos que quando trespassarem a escada vão completar o puzzle no teu cérebro." – disse ele – "A ausência de forma, faz com que existam formas infinitas. Faz com que todos os que forem a tua casa possam ser um bocadinho arquitetos e imaginar formas para além das formas que conseguem ver.".Aquela escada é a alma do projeto. Aquela escada é a alma da casa. Aquela escada é a alma do Rui, ali, em forma, em luz e em cor..Aquela escada é o engenho de teletransporte que o Rui me ofereceu. Através da sua lapiseira 0,5, ele colocou o engenho a viajar pelo resto da casa. E colocou-nos a nós a viajar também. A escada dá-nos os bons dias com uma luz muito própria, e dá-nos as boas noites com as sombras retratadas naquelas paredes de onde brotam os degraus..O desenho do engenho foi o ponto de partida. A lapiseira de bico 0,5 fluiu e mostrou-nos uma vida antes dela existir, antecipando os quotidianos, que com uma luz muito própria e refletida nas formas que habitam aquele espaço, nós hoje vivenciamos..O Rui era arquiteto, e foi meu professor. Depois tornou-se meu amigo. E só um verdadeiro amigo me podia oferecer tal engenho de subidas e descidas contínuas, sempre acompanhado pela luz volátil e inconstante que a janela lá no topo do engenho, vai iluminado os caminhos e o espírito..O Rui deixou-nos ontem. Mas deixou-me uma escada..E com essa escada, deixou-me também um bocadinho da sua alma!.Designer e Diretor do IADE – Faculdade de Design, Tecnologia e Comunicação da Universidade Europeia