É raro um regime ser derrubado por forças externas sem que antes se tenha degradado internamente ao ponto de não conseguir resistir às ameaças. Seja porque as suas defesas em relação ao exterior foram descuradas, seja porque internamente o descrédito minou a sua capacidade de mobilizar resistências, para ficar pelos últimos 150 anos, da Monarquia ao Estado Novo, não esquecendo a fugaz Primeira República, os regimes caíram quando foram incapazes de se regenerar nas qualidades e se acomodaram aos vícios.Outros exemplos podem ser encontrados na História, não apenas de Portugal, do Antigo Egipto à U.R.S.S., passando pelo Império Romano, que demonstram que é a partir do gradual “disfuncionamento” das suas instituições que os regimes colapsam. Os mais poderosos impérios caíram quando já não havia muitos que se dispusessem a sacrificar-se pela defesa de uma entidade que se tornara abstracta e deixara de satisfazer as suas necessidades concretas.Por outro lado, nem sempre é confortável admitir que as ditaduras, mesmo as que se caracterizam por uma razoável violência contra os seus adversários, se podem prolongar no tempo desde que mantenham a maior parte da população num estado de relativa apatia ao satisfazer-lhe as necessidades mais básicas, atendendo ao seu contexto histórico.Quando se fala na crise da Democracia ou dos regimes políticos de matriz liberal e das suas dificuldades perante as investidas dos críticos que pretendem a sua substituição por algo diverso, mesmo quando não o explicitam com clareza, recorrendo a metáforas como “regeneração” ou “refundação”, nem sempre se admite que as ameaças só são temíveis na proporção da fraqueza da capacidade de resposta. A Democracia, mais ou menos liberal, só cederá verdadeiramente quando os cidadãos considerarem que não vale a pena defendê-la e, bem ou mal, considerarem que as alternativas – seja a chamada “democracia iliberal”, seja um outro regime do tipo “nova república” – se apresentam como mais capazes de resolver os problemas que são mais relevantes para a maioria da população.Isto para dizer que, no caso português, que até há meia dúzia de anos se distinguia pela ausência de movimentos radicais extrema-direita com peso eleitoral relevante e pela normalização, por entrada, mesmo que indirecta, no “arco da governação” da extrema-esquerda, uma indesmentível crise política instalou-se quando o regime (democrático) pareceu mais preocupado com a submissão a directivas externas do que em assegurar o funcionamento regular das instituições públicas que deviam servir os cidadãos, da Saúde à Justiça, passando pela Educação.A crise da Democracia só o será se a sua elite dirigente não perceber que, mais do que responder a provocações, deve governar para que os cidadãos sintam confiança em quem os governa e, por isso, vontade de defender o regime. Professor do Ensino Básico.Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico