Nas últimas eleições municipais em Espanha, realizadas em Maio de 2023, o Vox obteve 1 milhão e 600 mil votos, o que compara com 812 mil nas autárquicas anteriores. Em quatro anos, a direita radical populista duplicou a sua votação, passando de 530 concejales (vereadores) para 1695. Sob qualquer ponto de vista, um crescimento notável. Ou isso parece. O resultado torna-se menos interessante quando comparamos estas autárquicas de 2023 com as legislativas anteriores, celebradas em novembro de 2019, nas quais o Vox conseguiu 3 milhões e 670 mil votos. Contas feitas, entre as legislativas e as autárquicas perdeu dois milhões de eleitores. Sabemos todos que eleições locais e nacionais obedecem a lógicas diferentes, mas há tendências de voto – tanto assim é que nas legislativas seguintes, em julho de 2023, a ‘ultraderecha’ passou de 53 deputados para os actuais 33. O Vox é, então, uma espécie de partido de Schrödinger: a um só tempo, o protagonista de uma grande vitória eleitoral e de um pesado retrocesso nas urnas. O futuro adivinhável traça cenários semelhantes. As sondagens indicam que, apesar de uma evidente recuperação nas intenções de voto, o Vox estará longe dos seus máximos históricos. E, ao contrário do seu congénere português, estará longe de ser o primeiro partido de direita. De resto, permanece na posição de terceira força no espectro político nacional. São várias as explicações possíveis para esta trajectória. Uma das mais viáveis está na forma como o Partido Popular (PP) se relacionou com a ameaça sentida no seu flanco direito. Os populares foram ambíguos quanto a alianças nacionais com o Vox, mas não impuseram quaisquer linhas vermelhas nem cordões sanitários em governos autonómicos e capitais de província. Madrid, Andaluzia, Extremadura e Múrcia são algumas das regiões onde houve – ou há ainda – coligações de governo ou entendimentos nos parlamentos regionais. Será prematuro tirar conclusões definitivas, mas parece emergir um padrão preliminar: o poder tem um preço e o Vox está a pagá-lo. Primeiro, a retórica anti-sistema torna-se vaporosa perante a responsabilidade de governar, ou de apoiar quem governa. Segundo, o poder local existe para resolver problemas reais, vividos no quotidiano, o que obriga as bravatas e as demais proclamações grandiloquentes a descer à terra. A aterragem nem sempre é suave. Terceiro, os eleitores percebem que os acordos implicam cedências, donde teimar em objectivos maximalistas tende a ser penalizado nas urnas. Hoje, o PP governa com maiorias absolutas em Madrid e na Andaluzia, sem necessitar do Vox. Contudo, o maior prejuízo para a direita radical está nas cisões – uma já concretizada e a outra a caminho. A ala liberal-conservadora do partido, onde estavam os quadros mais qualificados, bateu com a porta há dois anos. Esta semana, Iván Espinosa de los Monteros, o mais destacado desses quadros, lançou um think tank cuja agenda aponta para a reunião das direitas. Outra ruptura, embora em sentido inverso, desponta na ala jovem, que acusa a liderança de acomodação progressista. A direcção do Vox caminha a passos acelerados para as margens do sistema, mas os ‘jotas’ não estão impressionados. Voltando ao princípio, às autárquicas, mas agora deste lado da fronteira: é possível que o Chega seja o novo partido de Schrödinger, com um resultado análogo ao do Vox em 2023. Isto é, um grande triunfo eleitoral que compare mal com os resultados em legislativas. Quanto ao resto, apenas nos resta imaginar o que aconteceria ao partido de André Ventura se em Portugal tivesse existido uma estratégia semelhante à do PP. Com o lugar de partido de direita mais votado ao alcance, o Chega tem poucos incentivos para negociar alianças de poder com o centro-direita. PolitólogoEscreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico