Terça-feira, dia 25 de novembro, noticiava-se, neste jornal e um pouco por todo o lado, a detenção, entre 17 mandados de detenção, de 10 militares da GNR e de um agente da PSP, no âmbito de uma operação da Polícia Judiciária de combate, genericamente, ao tráfico de pessoas e à escravidão, que trabalhariam em explorações agrícolas no Alentejo, provindas de países indostânicos.Não se pode dizer que seja uma novidade.No ano passado, o Tribunal de Beja havia já condenado militares da GNR por agressões e sequestro de imigrantes indostânicos. Parte deles, aliás, também já havia sido condenada em 2020, por crimes idênticos. Um dos militares em causa continuava em funções na GNR.Em Olhão, em 2024, dois agentes da PSP foram acusados de espancar dois imigrantes marroquinos, o que terá levado à morte de um deles. Recorda-se o que se escrevia na notícia neste jornal: “Os dois agentes colocaram os homens no banco de trás do carro da PSP, detendo-os sem os levar para a esquadra ou elaborar qualquer expediente. De acordo com a acusação, os arguidos seguiram depois em direção a Pechão, próximo de Olhão mas fora da sua zona de patrulhamento, e pararam o carro num caminho municipal, tendo atirado Hassan Ait Rahou, que entretanto adormecera, para a berma da estrada, e retirado Aissa Ait Aissa do carro.“Quando se encontrava fora da viatura, devido a motivos não apurados, os arguidos, atuando concertadamente, desferiram várias pancadas na cabeça e face de Aissa Ait Aissa”, tendo, pelo menos uma das pancadas sido desferida com um objeto, lê-se na acusação”. Aissa, espancado, algemado, num ermo, pela polícia, morreu 19 dias depois, internado no hospital.No momento em que algumas forças políticas exaltam a sua ideia de “portugalidade” e expelem um incitamento constante ao ódio face a estrangeiros selecionados – os mais pobres e de pele mais escura –, convém não esquecer este drama silencioso nas forças de segurança. Uma mistura terrível de cupidez, exercício falho do pequeno poder e aproveitamento da fragilidade do outro, que assusta e envergonha.Convém também não esquecer e não menorizar o papel e a responsabilidade de empresas e empresários, que aproveitam e abusam do trabalho de tantos que, reféns da sua origem e das condições de que fogem, continuam reféns em Portugal. Empresas de intermediação, de “trabalho temporário” e empresas agrícolas que são o último elo da cadeia. Seria bom aproveitar as vastas possiblidades de apreensão e perda de bens a favor do Estado que o processo penal permite, durante a fase de inquérito e após uma eventual condenação. Essa será provavelmente a melhor forma de favorecer a contenção da ganância e prevenir o sentimento de impunidade de quem assenta arraiais sobre pessoas.Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa