40 anos depois e as semelhanças são evidentes

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É difícil esquecer que, pouco depois de dar posse pela primeira vez a Luís Montenegro, Marcelo Rebelo de Sousa descreveu o então “novo” primeiro-ministro como alguém “rural”. Foi num jantar com correspondentes estrangeiros em Lisboa, a 23 de abril do ano passado. 

Mas como sabemos, as declarações do Presidente da República nunca são inocentes. Recuemos um pouco: em março de 2024, (com um género de reconfirmação em maio de 2025), Portugal saiu de um ciclo de quase dez anos de governação socialista - quase. Saiu o país e saiu o então primeiro-ministro, que rumou à Europa. Um cenário que, além de não ser inédito, também não é irrelevante para o que está em causa: uma nova crise política. O PS, detentor de uma maioria absoluta, encontrou um novo líder e perdeu as eleições. Perdeu (inicialmente), por pouco, é verdade, mas tratou-se de uma derrota clara, empurrando o partido para o terceiro lugar no espaço de apenas um ano.

O que importa destacar neste cenário é que, ao longo de meio século de democracia, mais concretamente na fase da democracia consolidada, esta é apenas a segunda vez que o PSD assume o poder em condições semelhantes. Ao longo da história democrática do pós-25 de Abril, Portugal conheceu momentos de crise económica (cujas origens foram muitas vezes discutidas, se nacionais ou internacionais), mas também atravessou fases de crescimento, por vezes acima da média da União Europeia. Sempre com a dúvida: conjuntura ou estrutura?

Podemos também dividir estes 50 anos de democracia através dos seus líderes: antes e depois da entrada na CEE. E é aqui que voltamos às palavras de Marcelo sobre Luís Montenegro. A 6 de outubro de 2025 assinalam-se 40 anos da primeira vitória legislativa do PSD, com 29,8% dos votos. Seguiram-se duas maiorias absolutas: em 1987 (50,2%) e em 1991 (50,6%), ambas de Cavaco Silva. E este primeiro-ministro governou até 1995, ano em que depois anunciou a sua candidatura à Presidência da República, que acabou por perder, logo à primeira volta, para Jorge Sampaio.

Mas Cavaco, como Montenegro, chegou ao poder com um perfil que não suscitava grandes expectativas. Nenhum dos dois era visto como inevitável, nenhum foi eleito sob o peso de promessas messiânicas. Ambos encontraram o país num ciclo de crescimento económico e de reconhecimento internacional. Condições que lhes permitiriam propor e executar reformas estruturais, com impacto transformador. Ou seja, o governo liderado por Luís Montenegro tem hoje a possibilidade real de governar com estabilidade, implementar o seu programa, executar o seu ideário. Está livre da pressão do FMI, livre de uma oposição parlamentar que o amarre a cada votação e com margem para propor reformas relevantes do Estado.

Ao longo destes 40 anos, já vivemos idêntica situação de estabilidade política mas com a visão e as políticas do centro esquerda. Agora, é a vez do centro-direita. E resta saber se, tendo essa oportunidade histórica, o PSD a saberá aproveitar ou se a deixará escapar. Esperemos que não a desperdice. Porque não há tempo a perder. Os últimos 50 anos de construção democrática merecem o nosso reconhecimento – mas exigem, com igual força, o reconhecimento de tudo o que falta fazer.

As semelhanças com o passado são evidentes. Mas, por muitos anos que passem, não podemos nunca desistir de um Portugal melhor.

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