Tantas vezes descrita como “a aliança militar mais bem-sucedida da História”, a NATO nasceu faz amanhã 75 anos, por via da assinatura em Washington de um tratado de defesa mútua entre 12 países liderados pelos Estados Unidos. Não fosse o tal sucesso, afinal de 12 (entre eles, Portugal) passou para 32 membros e não deve ficar por aqui, dir-se-ia que estávamos a assinalar uma efeméride, um evento longínquo de uma era longínqua, pois a NATO nasceu com a Guerra Fria e esta última acabou quando em 1989 caiu o Muro de Berlim ou, mais bem vistas as coisas, em 1991 quando a União Soviética se desagregou..E que objetivo, que atualidade, tem hoje a aliança militar nascida quando Harry Truman era presidente americano? Fazer frente à Rússia, herdeira dessa União Soviética que a 29 de agosto de 1949 se dotou da bomba atómica e obteve a paridade estratégica com os Estados Unidos, e, adivinha-se, fazer frente também, mais cedo ou mais tarde, ao desafio de uma China que a 1 de outubro de 1949 proclamou a República Popular, pondo fim a um século de humilhação e lançando os alicerces para o regresso à condição de grande potência que foi sua ao longo de milénios..Fundação da NATO a 4 de abril em Washington, explosão atómica a 29 de agosto em Semipalatinsk, triunfo da revolução comunista em Pequim a 1 de outubro. Percebe-se agora a razão do título desta análise? .Sim, 1949 até pode parecer que foi há muito tempo, mas na realidade não. Se tivermos em conta o calendário cósmico celebrizado pelo cientista americano Carl Sagan na série televisiva Cosmos - aquele calendário de um só ano que põe o Big Bang a acontecer a 1 de janeiro, o surgimento do Sistema Solar a 9 de setembro e os primeiros primatas a aparecer sobre a Terra a 30 de dezembro -, continuamos no último segundo, do último minuto, da última hora, de 31 de dezembro. Sim, historicamente, 1949 e 2024 são quase, quase, o mesmo, e geopoliticamente 1949 explica muito do que se passa em 2024..Truman, admita-se, morreu há muito, José Estaline também e o país que liderou até já não existe, e Mao Tsé-tung, se ressuscitasse, não reconheceria a China atual como comunista, apesar de o seu partido continuar a mandar. Quase, quase o mesmo historicamente, não quer dizer o mesmo: desde 1949, a Humanidade foi ao espaço, África foi descolonizada, a União Europeia tornou-se sinónimo de Europa, inventou-se a internet e estamos ameaçados pelo aquecimento global. Mas quem são as figuras mais influentes do planeta? Joe Biden, Vladimir Putin e Xi Jinping, ou seja os sucessores de Truman, Estaline e Mao. E nenhum deles renega o antecessor, basta pensar no presidente russo e na justificação para a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022: a “desnazificação” invocada por Putin é uma evocação abusiva da vitória soviética sobre a Alemanha Hitleriana, “a Grande Guerra Patriótica” de Estaline, na verdade a importantíssima frente leste europeia da Segunda Guerra Mundial, com a Operação Bagration contra os nazis lançada semanas depois do desembarque dos Aliados na Normandia, o Dia D, 6 de junho de 1944..Quem percorre o Mall, a grande avenida em Washington onde está o Capitólio e também o Memorial a Abraham Lincoln, lembra-se automaticamente de Roma antiga, afinal os Pais Fundadores dos Estados Unidos olhavam para o passado como modelo, naquele final de século XVIII, talvez mais para a República Romana do que para o Império. Mas hoje os Estados Unidos são imperiais sem dúvida, a única superpotência, os vencedores incontestados da Guerra Fria, como foram os vencedores das duas guerras mundiais. A sua economia é a mais forte, o seu poderio militar convencional incomparável, o seu soft-power imbatível. A NATO é essencial para esse estatuto de superpotência, e mesmo Donald Trump, se for eleito em novembro e regressar à Casa Branca, dificilmente ousará romper os laços transatlânticos - quando muito insistirá que os Aliados europeus invistam mais em Defesa, sendo um pouco mais de Marte e um pouco menos de Vénus. Também não deixará de reforçar alianças como o AUKUS, que une americanos a australianos e britânicos, e incentivar maior cooperação militar entre japoneses e sul-coreanos, tudo para contrariar a ascensão chinesa, sobretudo no Indo-Pacífico..Perante o colosso americano, cuja decadência tantas vezes anunciada tarda a acontecer, a Rússia de hoje tem margem de manobra limitada, intervindo forte na vizinhança, como a Ucrânia, ou até mais longe, como a Síria, mas nunca enfrentando diretamente os Estados Unidos, pois militarmente só se mantém um igual na questão do arsenal nuclear, e com esse, cuidado!.Visitei um dia a estepe cazaque onde Estaline fez explodir a bomba soviética, aquela que acabou com o monopólio atómico existente desde Hiroxima e Nagasáqui. Para bem do mundo, nunca os russos foram além dos ensaios, e também para bem do mundo os americanos, depois da rendição japonesa em 1945, nunca mais usaram o poder atómico/nuclear. Este equilíbrio estratégico, sinal máximo de bom senso em Moscovo e Washington, é o que resta da Guerra Fria, e será bom que se mantenha..Da China de Mao resta o retrato d’O Grande Timoneiro nas portas da Cidade Proibida, em Pequim, e pouco mais. O seu papel no reerguer da China não é negado pelos dirigentes do partido único, mas mesmo Xi, que alguns dizem ser neomaoista, sabe bem que o novo protagonismo global do antigo Império do Meio se deve mais às reformas económicas de Deng Xiaoping do que à ideologia comunista. Segunda economia mundial, com o segundo maior orçamento militar também, a China é hoje o maior desafio à supremacia de um Ocidente liderado pelos Estados Unidos. Mas mesmo que faça muitas vezes frente comum com a Rússia para alterar a ordem internacional, sabe que não lhe é possível enfrentar de igual para igual a superpotência americana. Talvez daqui a uns anos, e, isto, se as contradições do sistema chinês não se revelarem entretanto mais graves do que as hesitações do sistema americano..A nossa era, este 2024 em que vivemos, depende pois muito da relação entre americanos, russos e chineses. Que é de óbvia competição, não de cooperação. A União Europeia tem obrigação de ter uma palavra a dizer, e o Sul Global (só na aparência unido), esforça-se por fazer ouvir a sua voz. Mas é no triângulo Washington-Moscovo-Pequim que tudo de importante se joga. Não é totalmente evidente? Mais do que em 1949..Diretor adjunto do Diário de Notícias