Xi Jinping deixa Portugal com promessa de "levar parceria para um novo patamar"
O presidente chinês, Xi Jinping, terminou ontem uma visita oficial de dois dias a Portugal, levando na bagagem a assinatura de 17 acordos de cooperação bilateral e uma declaração conjunta em que os dois países expressam o desejo de aprofundar "uma amizade tradicional" a pensar nos novos desafios. A aposta é no multilateralismo, com repúdio de "todas as formas de protecionismo e unilateralismo".
A viagem fica ainda marcada pelo convite de Xi ao presidente português para que visite a China em abril de 2019, que Marcelo Rebelo de Sousa aceitou "com agrado".
"O funcionamento bilateral encontra-se no seu melhor momento histórico. Em 2019, quando se celebram 40 anos das relações bilaterais, vamos aprofundar a amizade e cooperação e levar a nossa parceria estratégica global para um novo patamar", disse Xi Jinping no Palácio de Queluz, depois de um encontro com o primeiro-ministro português, António Costa.
"As duas partes vão empenhar-se na promoção e aprofundamento da parceria estratégica global entre a China e a Europa, reforçar o apoio à cooperação nas organizações internacionais, como a ONU, salvaguardar conjuntamente o multilateralismo, o livre comércio, promover a paz, desenvolvimento, estabilidade e prosperidade mundiais", referiu o presidente chinês na sua declaração, sem direito a perguntas por parte dos jornalistas.
Xi Jinping terminou em Portugal uma viagem que o levou também a Espanha, à Argentina (para a cimeira do G20) e ao Panamá. "Senti as aspirações, expectativas, dos povos de todos os países, pela paz, estabilidade, desenvolvimento, prosperidade, por uma vida melhor", assegurou. "Apesar de o mundo atual enfrentar diversos problemas e desafios, a China vai aderir sempre ao princípio do respeito mútuo, consultas em pé de igualdade, e persistir no desenvolvimento pacífico e cooperação."
Antes de Xi Jinping, já tinha tomado a palavra o primeiro-ministro português: "A nossa relação funda-se em mais de cinco séculos de convivência e numa confiança mútua que foi sempre confirmada e reafirmada ao longo destes séculos. É por isso que no quadro bilateral e da União Europeia somos sempre garante da relação de confiança com a República Popular da China", referiu.
Para Costa, a visita permitiu dar "passos concretos" no desenvolvimento das relações, traduzindo-se em resultados concretos. "Pelo facto de termos subido mais alguns degraus na nossa relação, podemos agora ter um horizonte mais vasto à nossa frente", referiu o primeiro-ministro, falando de alguns dos 17 acordos de cooperação que foram assinados.
"É disso exemplo o facto de a agência de dotação chinesa ter classificado a dívida portuguesa como elegível para a emissão de dívida em panda bonds, o que é de interesse mútuo para a diversificação das fontes de financiamento da economia portuguesa, mas também para colaborarmos na internacionalização do renminbi" (a moeda oficial da China), disse Costa.
"Com a confiança que temos, em cada novo encontro, são dois passos à frente que conseguimos dar no nosso relacionamento cada vez mais profícuo", acrescentou o primeiro-ministro, que passeou depois sozinho com o presidente chinês pelos jardins do Palácio de Queluz.
Pouco antes das declarações à imprensa de Xi Jinping e de António Costa, foi divulgada a declaração conjunta dos dois países sobre o reforço da parceria estratégica global. São 23 pontos no total, partilhados no site da Presidência portuguesa.
China e Portugal avaliam como "muito positivos" os desenvolvimentos crescentes no relacionamento entre os dois países, "caracterizado por uma amizade tradicional". Lembrando que o estabelecimento das relações diplomáticas remonta a 8 de fevereiro de 1979, indicam que, desde o estabelecimento da Parceria Estratégica Global em 2005, "gozam de confiança política mútua crescentemente reforçada, consolidada e resultados frutíferos de cooperação" em várias áreas.
É essa parceria que Portugal e China querem reforçar com novos conteúdos no próximo ano, quando se assinala o 40.º aniversário das relações diplomáticas e já está prevista uma visita oficial do presidente português à China em abril, para a 2.ª Edição do Fórum da Cooperação Internacional Uma Faixa, Uma Rota. Alegam que isso "corresponde aos interesses fundamentais dos dois países e dos seus povos e contribui para a salvaguarda da paz, estabilidade, desenvolvimento e prosperidade do mundo".
"As duas partes acordaram elevar o nível de desenvolvimento das relações entre os dois países e conduzir a Parceria Estratégica Global Portugal-China a novos patamares, com base nos princípios de respeito mútuo, tratamento igual, benefício recíproco e ganhos compartilhados, a partir de uma visão estratégica e de longo prazo, e por meio de esforço conjunto e reforço de cooperação", lê-se no texto.
Em relação à iniciativa Uma Faixa, Uma Rota, Portugal manifestou o seu interesse em participar, razão pela qual foi assinado um memorando de entendimento "que consagra o aprofundamento do diálogo político e promove a conectividade sustentável entre a Europa e a Ásia" em vários domínios, estabelecendo-se ainda o interesse "em fomentar a cooperação com países terceiros, em regiões como a África e a América Latina".
"As duas partes continuarão a promover o multilateralismo baseado na lei internacional e nas normas universalmente reconhecidas que regem as relações internacionais, e juntarão esforços para promover relações internacionais assentes no respeito mútuo, na equidade e justiça e na cooperação mutuamente vantajosa com vista a construir um mundo limpo, belo, aberto e inclusivo com paz duradoura, segurança universal e prosperidade comum", diz a declaração.
Portugal e a China transmitem o seu apoio "à reforma do sistema das Nações Unidas de modo a aumentar a sua autoridade e eficiência" e acrescentam: "A reforma deve refletir o princípio de abertura e transparência, ouvir de forma extensiva as opiniões dos países membros e buscar amplo consenso mediante consulta plena. As duas partes sublinharam o seu apoio aos esforços do secretário-geral da ONU neste âmbito", numa referência a António Guterres.
"As duas partes reafirmaram o seu empenho no multilateralismo, na defesa dos propósitos e princípios consagrados na Carta das Nações Unidas, em apoiar o reforço do papel das Nações Unidas na comunidade internacional, na manutenção da paz e segurança internacionais, na promoção do desenvolvimento sustentável e na proteção dos direitos humanos", sublinha-se.
Portugal e a China defenderam ainda "uma economia mundial aberta", repudiando "todas as formas de protecionismo e unilateralismo, comprometendo-se a promover a liberalização e facilitação do comércio e investimento no âmbito das regras do sistema multilateral do comércio".
A nível comercial, a ideia é desenvolver o relacionamento económico bilateral e encorajar o intercâmbio, havendo ainda interesse numa maior participação nas plataformas de comércio eletrónico mútuas. Os dois países "comprometeram-se, nos vários setores económicos e no setor agroalimentar, em particular, a respeitar os padrões de segurança e supervisão do outro país, a conceder facilidades à importação de produtos e serviços qualificados, e a continuar a encorajar e apoiar as suas empresas a investir na China e em Portugal".
Para assinalar o 40.º aniversário das relações, será também dado destaque a nível cultural, com festivais nos dois países, em 2019. Há ainda a criação de centros culturais, com o intensificar da cooperação em matéria de educação, mas não só. "Portugal mostrou-se disposto a partilhar a sua experiência em futebol e em outras modalidades desportivas, e a desenvolver a cooperação em matéria de desporto juvenil", indicam na declaração conjunta.
Vinte anos depois da passagem da soberania do território de Macau para a China, os dois países expressam a disposição de "reforçar o papel de Macau como ponte e elo de ligação para promover as relações de amizade de longo prazo Portugal-China", assim como "continuar a apoiar o papel de Macau como plataforma de serviços para a cooperação comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa".
A cooperação marítima entre os dois grandes países marítimos é também realçada. "Com base no princípio de benefício mútuo e ganhos compartilhados, as partes propõem-se aprofundar sustentadamente a cooperação marítima e a desenvolver a Parceria Azul entre Portugal e a China (...) com vista ao desenvolvimento da economia marítima e marinha dos dois países", indicaram.
"A parte chinesa avaliou como muito positivo o papel importante que Portugal desempenha em salvaguardar a estabilidade e impulsionar a integração da União Europeia", querendo tanto a China como Portugal promover e aprofundar as parcerias com a UE.
No reiterar do respeito pela "soberania e integridade territorial" de ambos os países, Portugal reafirmou também a "continuada adesão ao princípio 'Uma só China', bem como o apoio à posição chinesa na questão de Taiwan", tendo a China manifestado o seu apreço por este apoio.
Na declaração conjunta há ainda referência ao interesse, no âmbito do turismo e não só, de "fortalecer o desenvolvimento sustentado de ligações aéreas diretas entre os dois países". Mas também ao início, no primeiro semestre de 2019, das negociações formais para a celebração de uma convenção bilateral de segurança social. E há elogios no que diz respeito à cooperação judiciária.
A visita de menos de dois dias de Xi Jinping a Portugal não deixa contudo saudades aos lisboetas, que nos últimos dias tiveram de enfrentar mais problemas de trânsito do que o normal. E, no caso de viverem ou trabalharem junto dos locais por onde a comitiva passou, necessidade de se identificarem.
Deputados e funcionários parlamentares foram obrigados a identificar-se na Rua de São Bento, em Lisboa, e noutras artérias de acesso ao Parlamento, para poderem deslocar-se até à Assembleia da República, nesta quarta-feira de manhã, constatou o DN no local. Um excesso, apontaram.
A segurança deixou também ao longe os manifestantes autorizados, com faixas a dar as boas-vindas ao presidente chinês não só junto ao Mosteiro do Jerónimos e ao Palácio de Belém, no primeiro dia, como junto à Assembleia da República e ao Palácio de Queluz, no segundo.
A ida de Xi Jinping ao Parlamento teve algumas ausências: os deputados do Bloco de Esquerda e o deputado do PAN não estiveram na receção parlamentar ao presidente chinês. Também não esteve o presidente da comissão parlamentar de Negócios Estrangeiros, o socialista Sérgio Sousa Pinto.
Não houve declarações públicas de Xi Jinping ou do presidente da Assembleia, mas no seu discurso à porta fechada, divulgado depois aos jornalistas, Ferro Rodrigues salientou a natureza pluripartidária do sistema político português. "Diferentes partidos têm posições distintas e distintos pontos de vista, afirmou, para a seguir acrescentar que isso não impede "o grande consenso que nos une no objetivo de aprofundar o relacionamento com a China".