Fake news. Três formas para evitar o pânico do covid-19

Nos últimos dias, a investigação do DN e do MediaLab do ISCTE detetou um grande número de notícias falsas sobre o coronavírus a circular pelo WhatsApp. Saiba como proteger-se delas. Este texto foi publicado originalmente no dia 16 de março e faz parte de um lote de trabalhos relacionados com a covid-19 que o DN está a republicar.

É muito provável que, nas últimas horas, alguém lhe tenha feito chegar uma mensagem alarmista por telemóvel. Entre as 19.30 de dia 12 de março e as 00.00 do dia 13, o MediaLab, do ISCTE, recebeu 179 exemplos no primeiro dia da sua campanha de identificação da desinformação associada ao covid-19 no WhatsApp.

Nestas informações falsas, postas a circular maioritariamente através de ficheiros áudio, destacam-se três tipos de notícias falsas que pretendem criar um alarme social acrescido. Exemplos dessas mentiras: já há várias mortes que estão a ser "encobertas" pelas autoridades; vai ser decretada quarentena a partir de 13, 14 ou 15 de março por todo o país, com o fecho dos estabelecimentos comerciais e a ausência de mantimentos; as autoridades têm conhecimento de um número muito maior de infetados do que o divulgado à imprensa. Todas estas mensagens são, comprovadamente, falsas.

O MediaLab explica que "estas narrativas falsas são na sua maioria validadas através da introdução de figuras de destaque na sociedade portuguesa como fontes dessa informação desconhecida do público: médicos, dirigentes ou funcionários hospitalares; filhos de figuras da política, da televisão ou dirigentes de grandes empresas."

Duas mensagens de voz, de uma suposta médica portuguesa, estão a circular por vários grupos criados no WhatsApp, e são rapidamente replicadas pelas pessoas que as ouvem. Nesses ficheiros de som, a voz garante que "o estado de alarme é enorme" e descreve várias mortes (que não aconteceram, como é possível confirmar pelas fontes oficiais). "Hoje já morreu um senhor no Curry Cabral", garante. Mais à frente acrescenta um novo caso: "Ontem morreu um senhor na Margem Sul." A conclusão de uma das mensagens é essa: "O meu alarmismo vem do que está a passar, de estar a ver as pessoas a morrer."

Entre os dados que recolhemos encontram-se centenas de mensagens que estão a ser analisadas pela equipa do MediaLab, pelo DN e por um conjunto de voluntários que se disponibilizaram para fazer parte deste trabalho.

Quem ouve esta mensagem pode ficar com dúvidas. Será que há alguma informação que está a ser escondida? Por isso, estes depoimentos de uma alegada médica que garante que já lidou com várias mortes espalharam-se depressa, pelo menos desde quarta-feira.

E esse deve ser o ponto de partida para o ceticismo necessário de quem recebe mensagens destas: se na quarta-feira tivessem morrido em Portugal doentes com covid-19, essa informação não podia ser escondida. As famílias e os serviços hospitalares saberiam obrigatoriamente. Ou seja, por muito que houvesse uma tentativa "conspirativa" de silenciar essa informação, ela seria ineficaz, três dias depois.

Por isso, a melhor defesa que todos temos, numa crise de saúde como esta, é a escolha que fazemos da informação. Entre os dados que recolhemos encontram-se centenas de mensagens destas, que foram distribuídas e estão a ser analisadas pela equipa do MediaLab, pelo DN e por um conjunto de voluntários que se disponibilizaram para fazer parte deste trabalho, dado o volume da desinformação detetada. Algumas pretendem convencer-nos de que a crise foi fabricada por razões económicas, outras pretendem apenas lançar o pânico. Nada disto é novo. Em Itália aconteceu precisamente o mesmo.

Por isso propomos três sugestões para que estas campanhas de medo nas redes sociais não apanhem ninguém desprevenido.

1 - Desconfie
Mesmo que a gravação de voz, ou um "testemunho" qualquer, que chegou ao seu telemóvel pareça genuína (a voz, a entoação, os termos que usa), e o que diz pareça sério, há sempre várias perguntas que devemos fazer. Como é que sei que aquela pessoa é, de facto, uma médica? Como posso confirmar que aquilo é verdade? Se não conseguir responder a nenhuma destas perguntas, desconfie. Sempre que ouvir, numa dessas mensagens, que "a informação não está a passar" porque estão a censurar as más notícias, duvide. As más notícias costumam ser rápidas, seja qual for o desejo de quem as quer censurar.

2 - Procure fontes oficiais, nunca anónimas
Num caso de saúde pública não podemos confiar em pessoas que não conhecemos e que nunca poderemos identificar. Se alguém nos disser, numa mensagem de voz no WhatsApp, que pode curar o covid-19 com um produto qualquer que essa pessoa inventou, não arriscaremos a nossa vida nessa experiência. O mesmo cuidado devemos ter com outras mensagens desse tipo. Há dezenas de fontes identificáveis oficiais (como a OMS, a DGS, os hospitais), informativas (jornais, TV, rádios e sites informativos onde trabalham jornalistas) ou académicas.

3 - Não alimente a "máquina" das mentiras
A preocupação e a ansiedade são naturais durante uma crise de saúde, que obriga milhões de pessoas no mundo todo a limitar os seus contactos sociais e os seus movimentos. Mas alimentar uma rede escondida de fabricadores de mentiras (seja por diversão, interesse político ou financeiro) não ajuda ninguém. Replicar estas mensagens alarmistas e falsas não tem outro efeito senão lançar o pânico e alimentar o medo. É isso que gera problemas ainda maiores e bem reais: escassez de alimentos nos supermercados, falta de álcool nas farmácias... Se não enviar essa mensagem a mais ninguém, a cadeia quebra-se.

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