Desde 6 de fevereiro que não há notícia de Chen Qiushi, um cidadão chinês que ficou famoso após ter feito a título individual a cobertura dos protestos em Hong Kong e mais recentemente da crise do coronavírus, agora chamado de Covid-19..Num dos vídeos mais recentes, este cidadão/jornalista, descrito como advogado e ativista, diz estar "com medo" "À minha frente está o vírus. Atrás de mim o poder jurídico e administrativo da China". Na realidade, Chen Qiushi não foi o único a desaparecer. Um outro cidadão/jornalista, Fang Bi, também deixou de publicar vídeos, depois de ter sido detido pela polícia..Durante dez dias, conta o Le Monde, Qiushi visitou hospitais, supermercados, casas funerárias, famílias das vítimas e conversou com voluntários. O jornalista/cidadão caminhou pela cidade, de smartphone na mão. Nos vídeos que ia partilhando no YouTube, parecia desesperado.."Faltam máscaras, roupas de proteção, equipamentos e, o mais importante: kits de diagnóstico. Sem esses kits, não há como verificar se estamos infetados e apenas podemos ficar de quarentena em casa". Chen Qiushi confessou ter medo, mas também prometeu continuar a documentar a crise de saúde pública provocada pelo coronavírus..Num vídeo partilhado a 30 de janeiro, Chen descreveu o que viu nas visitas a hospitais cheios de pacientes doentes, a maioria deles em tanques de oxigénio e muitos deitados no corredor. O vídeo inclui imagens de uma mulher com o braço em volta de um homem que acabara de morrer sentado numa cadeira de rodas - percebe-se que a mulher está a ligar a alguém para que possa recolher o corpo.."Enquanto estiver vivo, falarei sobre o que vi e o que ouvi. Não tenho medo de morrer. Por que razão eu deveria ter medo de ti, Partido Comunista?", disse Chen Qiushi, no vídeo..Nos últimos anos, o crescimento da internet na China e a falta de confiança nos media controlados pelo Estado impulsionaram o jornalismo dos cidadãos. Notícias que não iriam surgir nos meios de comunicação tradicionais são relatadas por populares que usam os smartphones para publicar o que testemunham. É o caso de Chen Qiushi e de Fang Bin..A mãe de Chen Qiushi pediu ajuda para encontrar o filho através das redes sociais e foi informada pela polícia que o jornalista teria sido colocado de quarentena. No entanto, ninguém sabe onde está - não há registo da sua entrada em hospitais -, nem a razão pela qual permanece incontactável..Já Fang Bin é um empresário de Wuhan e igualmente um jornalista/cidadão que, tal como Chen, partilhava vídeos captados em hospitais da cidade. Foi detido pela polícia chinesa, segundo a emissora de Hong Kong RTHK, citada pelo site de notícias Quartz..O RTHK, que não identifica a sua fonte, relata que polícias à paisana, acompanhados por bombeiros, arrombaram a porta de Fang e entraram no seu apartamento. Hua Yong, um artista chinês e ativista de direito humanos, disse ao Quartz que vários amigos de Fang confirmaram a sua prisão..Mais jornalistas são suspeitos de serem ameaçados de ficarem isolados em quarentena pelas autoridades locais..Entretanto, o Comité para a Proteção dos Jornalistas dos EUA pediu a libertação de Chen. "As autoridades de Wuhan devem divulgar se têm o jornalista Chen Qiushi detido Se estiver, ele deve ser libertado imediatamente ", pediu Steven Butler, coordenador do programa asiático do CPJ, em Washington.."A China parece não ter aprendido a lição clara de que esconder a verdade sobre uma doença em expansão só piorará as coisas", disse Fang no seu primeiro vídeo, o mês passado, onde tentou documentar a situação.."Não nos podem prender a todos", disse um dos jornalistas.Num dos vídeos mais partilhados, aparece um paciente do sexo masculino de idade avançada deitado numa cama de hospital e cercado por vários médicos com equipamentos de proteção e um jovem em lágrimas que faz uma ligação telefónica onde diz: "Ele está a morrer". Eram filho e pai..No mesmo vídeo, Fang mostra vários sacos com cadáveres a serem carregados para dentro de um miniautocarro estacionado à frente de um hospital. "Oito, são oito sacos", conta o ativista no vídeo publicado a 1 de fevereiro..Foi por causa deste vídeo que chamou a atenção das autoridades e terá sido no mesmo dia que o seu apartamento foi invadido.."Quem são vocês?", perguntou Fang num vídeo em que mostra homens vestidos com fatos de proteção à sua porta. "Basta abrir a porta e saberá", diz um dos homens, argumentando que as autoridades de saúde estavam preocupados com Fang uma vez que tinha estado em hospitais com doentes infetados..Apesar da resposta de Fang de que a sua temperatura estava normal e de um pedido para que os homens mostrassem os seus mandados de busca, o apartamento foi invadido e o jornalista levado para a esquadra..Entre o grupo que o prendeu, contou ao Los Angeles Times, não havia nenhum médico. Fang foi acusado de receber financiamento estrangeiro e disseram para ele parar de "partilhar rumores" sobre a doença..Até agora, os pedidos de informação à polícia de Wuhan sobre Fang e Chen ainda não obtiveram resposta..Chen compartilhou alguns dos vídeos feitos por Fang, incluindo o que mostra a sua prisão no dia 1 de fevereiro: "Jornalistas cidadãos em Wuhan estão a despertar, vocês não nos podem prender a todos", tweetou..Fang Bin e Chen Qiushi publicaram os seus vídeos nas redes sociais chinesas e alguns foram também publicados no YouTube. Na China, são raros os jornalistas cidadãos uma vez que é exigido um certificado oficial necessário para publicar notícias, já que não pertencem nenhum órgão de comunicação social oficial..Muitos assumiram o risco e decidiram mostrar ao mundo o que está a acontecer em Wuhan, mas enquanto a China luta para conter um surto de coronavírus que já matou pelo menos 1110 pessoas e infetou perto de 45 000 pessoas, também intensificou os esforços para conter a narrativa sobre a epidemia e manter a ira pública centrada nas autoridades locais e não no governo..Pequim enviou os seus próprios jornalistas para fazerem a cobertura da crise e censurou a cobertura mais crítica dos media chineses, silenciando vozes específicas, escreve o Guardian..A alegada detenção de Fang e a quarentena forçada de Chen, acontecem uma semana depois de o país - e o mundo - terem recebido a notícia da morte do médico Li Wenliang, um dos primeiros a tentar alertar para o surto do coronavírus, em dezembro, e que terá sido silenciado e advertido pela polícia por espalhar "rumores". A morte do médico originou um movimento nas redes sociais chinesas com a hashtag "Quero liberdade de expressão", até que esta também foi censurada.