Mulheres do clã Bolsonaro roubam protagonismo dos maridos nos noticiários
Além da revelação dos 21 depósitos recebidos pela primeira-dama Michelle do operador do esquema de desvio de salários de assessores de Flávio, as ex-cônjuges, que compraram imóveis em dinheiro vivo, e as noras do presidente da República também tomaram de assalto a atualidade política.
"A todos que cuidaram muito bem de mim, todos os demais profissionais e hospital envolvido, obrigada Deus por estar sempre connosco em todas as situações e nos manter sempre tranquilos!", escreveu Heloísa Bolsonaro, mulher do deputado Eduardo Bolsonaro, nesta segunda-feira, na rede social Instagram.
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Heloísa, grávida de sete meses, esteve quatro dias internada com covid-19, sentiu perda de olfato e paladar, chegou a ter 35% de um pulmão comprometido mas 14 dias após os primeiros sintomas está recuperada.
A notícia da doença e da recuperação da mulher do filho "03" do presidente Jair Bolsonaro, psicóloga e influencer digital, no entanto, foi a de menor impacto nos últimos tempos envolvendo mulheres do clã presidencial brasileiro.
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Elas ofuscaram os membros masculinos da família, sempre ativos na atualidade e nas redes sociais, nas últimas semanas.
Michelle Bolsonaro
A primeira-dama Michelle Bolsonaro, que também testou positivo para o novo coronavírus, recebeu na sua conta 21 depósitos no valor de 72 mil reais de Fabrício Queiroz, a figura central da organização criminosa investigada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro que desviou o salário de assessores do hoje senador Flávio Bolsonaro, conforme noticiado pelo DN na semana passada após investigação da revista eletrónica Crusoé baseada na quebra de sigilo bancário do operador.
A revelação contraria a versão dada por Jair Bolsonaro para o caso de um depósito no valor de 24 mil reais, conhecido já desde dezembro de 2018. Segundo ele, tratara-se do pagamento de um empréstimo de 40 mil reais que fizera a Queiroz, seu amigo desde 1985.
A quebra do sigilo mostrou ainda que Queiroz recebeu 6,2 milhões de reais [cerca de um milhão de euros ao câmbio atual] nas suas contas entre 2007 e 2018. Desse montante, 1,6 milhão seriam salários recebidos como polícia e como assessor de Flávio.
Outros dois milhões teriam vindo de 483 depósitos de assessores do gabinete do filho do presidente, o que reforça a suspeita do esquema de "rachadinha", que consiste em empregar colaboradores fantasmas e recolher parte ou a totalidade do dinheiro público pago. Cerca de 900 mil foram depositados em dinheiro e não têm identificação de depositante.
Michelle nunca falou sobre o depósito de 24 mil reais que já era conhecido nem sobre os revelados agora. Jair Bolsonaro, quando deu a justificativa daquele empréstimo, foi solicitado pela imprensa em dezembro de 2019 a demonstrar um comprovante. Mas irritou-se com os repórteres: "Ó rapaz, pergunta para a tua mãe o comprovante que ela deu para o teu pai, tá certo? (...) Fica quieto! Você tem nota fiscal desse relógio que está contigo no teu braço? Não tem! Não tem. Você tem nota fiscal do teu sapato? Não tem, porra!"
Márcia Aguiar
Além daqueles 72 mil reais, Michelle recebeu ainda na sua conta 17 mil de Márcia Aguiar, a mulher de Queiroz que também tomou o lugar do marido no noticiário.

Márcia Aguiar
Desde que no final de junho Fabrício Queiroz foi encontrado na casa de Fred Wassef, advogado de Bolsonaro, na cidade de Atibaia, estado de São Paulo, transportado de seguida de helicóptero para a penitenciária de Bangu, no Rio de Janeiro, e dias depois levado para casa em regime de prisão domiciliar, a polícia lançou operação aparatosa pelo Brasil para localizar Márcia, considerada desde então foragida.
Ex-assessora (fantasma) de Flávio, a cabeleireira Márcia Oliveira de Aguiar é considerada peça-chave para se entender a acusação de corrupção, de organização criminosa e de lavagem de dinheiro em torno do senador.
Ela desperta o interesse dos investigadores, desde logo por ter sido assessora do então deputado estadual Flávio de 2007 a 2017, período em que decorria a "rachadinha". Mas Márcia é ainda primordial para a investigação por ter recebido 174 mil reais em dinheiro - não se sabe de quem - para pagar despesas médicas de Queiroz no exclusivo Hospital Albert Einstein, em São Paulo, no ano passado, de acordo com informações recolhidas pela polícia num caderno da família.
Noutro caderno foram encontradas ainda anotações sobre uma rede de proteção a Queiroz dentro da polícia - ele é reformado da polícia militar - caso fosse levado para a prisão onde ex-agentes cumprem pena.
Ou seja, na ausência do marido, desconfia a polícia, ela foi uma espécie de auxiliar do esquema criminoso. "Ele parece daqueles presos que dão ordens aqui fora, resolvem tudo", chegou a confidenciar Márcia numa mensagem a outra pessoa.
As conversas entre ambos apreendidas pela polícia nos últimos meses ajudaram ao rastreamento e localização do telemóvel de Queiroz.
Fernanda Bolsonaro
Após a quebra de sigilo bancário de antigos funcionários de Flávio, o Ministério Público do Rio descobriu, entretanto, um depósito de 25 mil reais em dinheiro, de agosto de 2011, feito na conta de Fernanda Bolsonaro, a mulher do senador, por Queiroz.

Fernanda e o marido, Flávio Bolsonaro
"Não sei a origem do dinheiro mas dá uma checada direitinho que eu tenho quase certeza de que não deve ter nada que ver com Queiroz. Queiroz nunca depositou dinheiro na conta da minha esposa, pelo que eu saiba", disse o senador aos investigadores sobre o depósito, segundo gravação obtida pelo jornal O Globo.
Segundo estes, o dinheiro foi usado para dar entrada no apartamento que o casal comprou naquele ano. Além do depósito do operacional do filho 01, Fernanda teria recebido outro depósito de uma pessoa que teve a identidade protegida.
No pedido de prisão preventiva de Queiroz, os promotores já haviam apontado que o ex-assessor teria pago despesas pessoais de Flávio e Fernanda, como 116 recibos bancários referentes ao custo do plano de saúde e das mensalidades escolares das filhas do casal.
O senador admitiu que o ex-assessor fez pagamentos em dinheiro vivo em seu nome, mas nega qualquer ato ilícito e sustenta que os pagamentos foram feitos a mando dele e com dinheiro dele.
Rogéria Nantes
Mãe de Flávio e de Eduardo e também de Carlos, o outro filho político de Bolsonaro, a primeira ex-mulher do presidente, Rogéria Nantes, pagou, em 1992, 95 mil reais por um apartamento na zona norte do Rio de Janeiro enquanto ainda era casada com o atual chefe do executivo.

Rogéria Nantes
Segundo o jornal O Globo, que teve acesso à escritura, o pagamento foi feito em dinheiro e a pronto.
Rogéria foi a primeira pessoa da família que o hoje presidente Bolsonaro levou para a política, três anos depois de transitar das forças armadas para o legislativo municipal carioca. Ela foi vereadora na Câmara Municipal do Rio de Janeiro por dois mandatos, entre janeiro de 1993 e janeiro de 2001 quando, já separada de Bolsonaro, perdeu a eleição para o filho Carlos, então eleito pela primeira vez, aos 17 anos, com o apoio do pai.
Em janeiro, a revista Época mostrou que nos seus dois mandatos a vereadora Rogéria Bolsonaro teve 66 assessores e, assim como o ex-marido e os filhos, também empregou parentes seus ou pessoas com graus de parentesco entre si que viriam a desempenhar as mesmas funções nos gabinetes do seu ex-marido e dos seus filhos - noutra reportagem, O Globo chegou à conclusão de que 102 assessores da família Bolsonaro ao longo dos anos tinham laços familiares entre si.
Rogéria tenciona voltar à política nas eleições municipais deste ano, como candidata a vereadora do Rio.
Ana Cristina Valle
Ana Cristina Siqueira Valle, a segunda ex-mulher de Bolsonaro, não era proprietária de nenhum imóvel antes do casamento com o hoje presidente. Durante o matrimónio, entretanto, adquiriu 14 imóveis, dos quais cinco foram comprados com dinheiro vivo, segundo reportagem da revista Época no mês passado.

Ana Cristina Valle
A mãe de Jair Renan, quarto filho do presidente, é investigada pelo Ministério Público do Rio suspeita de ter sido funcionária-fantasma do gabinete do vereador Carlos Bolsonaro, filho de Rogéria, entre 2001 e 2008.
Além dela, outros membros da família Siqueira Valle também são investigados por integrarem os gabinetes da família Bolsonaro por transferirem quase a totalidade dos salários como assessores para Fabrício Queiroz, o suposto operador de Flávio no esquema dos funcionários fantasmas.