Mais infetados, menos óbitos. Porque é que a letalidade da covid está a baixar?
Portugal, Espanha e França são três exemplos de países onde a letalidade tem vindo a decrescer, uma tendência que se tem mantido mesmo quando os contágios começam novamente a aumentar de forma muito significativa, como está a acontecer com franceses e espanhóis.
A taxa de letalidade da covid-19 em Portugal, relativa a esta quinta-feira e divulgada esta sexta, situou-se nos 3,18%, mantendo uma contínua tendência decrescente que se verifica desde o mês de junho.
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A título de exemplo os 3,18% atuais comparam com valores na ordem dos 4% registados no início de junho - entre o dia um e o dia 15 de junho a taxa de letalidade (que considera o número de óbitos em relação ao total de infetados com covid-19) em Portugal variou entre os 4,35% e os 4,10%. A 19 de junho caiu abaixo dos 4% e desde então tem vindo a decrescer - pouco, com uma diminuição quase diária na casa das centésimas, mas continuadamente.
A tendência não é exclusiva de Portugal e tem-se mantido mesmo nos países que estão a registar um considerável aumento do número de contágios. É o caso de França, onde o número diário de novos casos já se aproxima de máximos do mês de abril - de tal forma que já se aponta para o cenário de uma segunda vaga - mas o número de mortes continua substancialmente inferior, como documenta o Le Monde - até 25 de agosto a França registou uma média de 14 mortos/dia, muito longe da média diária de 391 óbitos que se registou em abril. Também as hospitalizações por covid-19 caíram de forma muito substancial.
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Em Espanha, o ministério da Saúde divulgou esta sexta-feira um acréscimo de 9779 novos casos de contágio, o número mais alto desta segunda vaga de infeções, somando um total de 34 mil casos positivos durante esta semana. Os dados apontam para 15 óbitos nas últimas 24 horas, que comparam com números na ordem das muitas centenas em abril e de algumas centenas em maio.
Um pouco por toda a Europa vão-se procurando as razões que expliquem a aparente diminuição da letalidade do novo coronavírus. Chegou, aliás, a ser apontada uma mutação do vírus que o tornaria menos letal, uma hipótese lançada por um especialista italiano, mas que a Organização Mundial de Saúde rapidamente veio refrear. "Em termos de transmissão nada mudou e em termos de intensidade nada mudou", veio dizer Maria Van Kerkhove, epidemiologista da OMS, logo no início de junho. "Este ainda é um vírus assassino e temos que ter um cuidado extraordinário para não achar que o vírus decidiu ser menos patogénico por sua própria vontade", sublinhou também também o diretor do programa de emergências sanitárias da OMS, Michael Ryan.
Já neste mês de agosto voltou a ser levantada essa possibilidade, depois de ter sido identificada na Malásia uma possível mutação do vírus, mas acabou por concluir-se que a variante já estava em circulação e identificada.
Uma explicação possível será o aumento do número de diagnósticos - a subida do número de infetados faz cair percentualmente o número de óbitos. E será tanto mais assim se os novos casos positivos se registarem sobretudo entre os mais jovens, que por norma desenvolvem sintomas menos graves da doença.
Os números dão cobertura a esta realidade. Em Portugal o peso dos sub-30 no número total de infetados tem vindo numa tendência crescente, chegou a atingir valores acima dos 40% na segunda semana de junho e desde aí tem-se situado sempre acima dos 30%.
Em Espanha a tendência é semelhante. Se até ao início de maio a faixa etária entre os 15 e os 20 anos representava apenas 6% do total de novos contágios, na passada semana a percentagem tinha subido para 25%, de acordo com dados do El País. O número de hospitalizações neste grupo etário também baixou consideravelmente (de 13,4% para 1,7%), o que aponta para um maior número de diagnosticados com sintomas leves ou assintomáticos.
Em França este é também um fenómeno identificado. Ao Le Monde Ségolène Aymé, Diretora Emérita de Pesquisa do Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa Médica (Inserm), diz que este é o ponto central para explicar a baixa letalidade: "Não há necessidade de procurar explicações complicadas para essa discrepância entre as curvas. O vírus provavelmente está a circular muito, mas a dinâmica agora está entre as mais jovens: é por isso que há relativamente poucos casos graves. As pessoas em maior risco, especialmente os idosos, protegem-se melhor"
A própria Organização Mundial de Saúde (OMS) veio dizer, na última semana, que a "pandemia está a mudar", sublinhando que são cada vez mais os jovens que estão na origem de surtos e contágios. "Pessoas na faixa dos 20, 30 e 40 anos estão cada vez mais na raiz da ameaça", sustentou Takeshi Kasai, diretor para a região do Pacífico ocidental. "Na região da Ásia-Pacífico, a doença é atualmente disseminada por jovens que, às vezes, não sabem que estão infetados", afirmou, destacando que este 'fenómeno' também foi detetado na Europa, sobretudo com jovens que viajam nas férias.
Mas, mesmo devendo-se a uma maior incidência nas camadas mais jovens da população, a par com uma maior proteção dos grupos de risco, a descida da letalidade está longe de ser um facto definitivo - e este princípio é válido para um horizonte de poucas semanas. Não só porque o aumento da circulação do vírus acabará por ter alguma incidência nas faixas etárias mais vulneráveis, mas também pela pressão que vai colocando sobre os sistemas de saúde. E este é, aliás, outro fator que poderá estar a contribuir para refrear a letalidade do vírus em países como a Espanha ou a Itália: a capacidade de resposta que tem - neste momento - o sistema hospitalar, que atingiu o limite nos meses de abril e maio.