O Grupo Independente e o Brexit: um sismo político de grau ainda por apurar

Primeiro eram sete, depois oito, depois 11, agora 12 e, segundo os media britânicos, o número de deputados dissidentes dos Tories e do Labour pode ainda aumentar. Como surgiu, como é financiado, até onde pode ir e o que pode conseguir O Grupo do Independente?
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Primeiro eram sete, depois oito, depois tornaram-se 11 e agora já são 12. E segundo alguns media britânicos a coisa não vai ficar por aqui, pois haverá pelo menos mais uma dezena de deputados britânicos dispostos a deixar o Partido Conservador e o Labour para integrar o recém-criado Grupo Independente na câmara dos Comuns.

O grupo não se assume como partido, não tem líder nem manifesto. Mas quem o integra tem em comum o facto de já não suportar a forma como os líderes dos conservadores e dos trabalhistas têm lidado com o Brexit e de ser contra uma saída do Reino Unido da UE sem acordo a 29 de março.

Alguns têm trabalhado ativamente nos últimos meses com a campanha People's Vote, que exige um segundo referendo sobre a permanência britânica no clube europeu. Na consulta de 23 de junho de 2016 o Brexit venceu por 52% dos votos expressos contra 48%.

As razões das dissidências

Se a primeira-ministra Theresa May é acusada de não controlar o seu partido, o líder da oposição, Jeremy Corbyn, não está melhor. Os deputados do Labour que se demitiram, primeiro sete, depois oito, estão descontentes com as posições antissemitas do líder trabalhista e com a má gestão que tem feito da questão do Brexit. Corbyn recusa apoiar um segundo referendo sobre o tema, pois na verdade nunca foi um entusiasta da UE, mas também tem arranjado todo o tipo de estratégicas para não ficar no lugar de May a gerir um dossiê que parece um poço sem fundo. Se ele acusa a chefe do governo de fingir estar a levar a cabo uma negociação, ela também o poderia acusar de estar a fazer uma falsa oposição - uma vez que só apresentou as moções de censura por saber que iam ser chumbadas e fez propostas que sabia que não podiam - em princípio - ser acomodadas.

No caso dos Tories, liderados por May, as três deputadas que se demitiram para integrar O Grupo Independente acusaram a primeira-ministra de não ter mão nos rebeldes da ala eurocética dos conservadores, cujo rosto mais visível é o líder do think tank European Research Group Jacob Rees-Mogg. E de depender demasiado do apoio do Partido Unionista Democrático da Irlanda do Norte (por ter perdido a maioria absoluta na câmara dos Comuns nas legislativas de 2017).

"O Brexit redefiniu o Partido Conservador - desfazendo os esforços para melhorá-lo. Houve falhanço em fazer frente ao ERG, que opera abertamente como um partido dentro de outro partido, com dirigente, líder parlamentar e políticas próprias", lê-se na carta que enviaram a Theresa May este dia 18. "Estou entristecida por esta decisão - são pessoas que prestaram um serviço dedicado ao nosso grupo ao longo de muitos anos e agradeço-lhes por isso", reagiu May, à saída de Anna Soubry, Sarah Wollaston e Heidi Allen.

Quem financia este grupo?

O Grupo Independente não é um partido político nem está registado como tal. É gerido pela empresa Gemini A Ltd, que pertence à Companies House, a qual é dirigida pelo deputado Gavin Shuker, um dos sete dissidentes do Labour. Segundo o Metro.co.uk, ao ser uma empresa privada o grupo não tem que dizer quem são os seus doadores nem prestar contas à Comissão Eleitoral. No site d"O Grupo Independente lê-se: "A empresa irá publicar as suas contas regularmente com todos os donativos feitos nos três meses anteriores quando excederem as 500 libras. De acordo com esta política de donativos, se fizer um donativo de 7500 libras ou mais revelaremos o seu nome se não o tiver feito".

Apesar de não ter manifesto eleitoral, o grupo identificou 11 valores que pretende respeitar, que vão de salários justos, até a um maior investimento público em serviços como o serviço nacional de saúde (NHS), passando por uma maior proteção do meio ambiente e combate às alterações climáticas. Não se encontra, porém, referência ao Brexit. "Politics is Broken. Let"s change it" é o lema d"O Grupo Independente no seu site. Sim. Apesar de ter sido criado há menos de uma semana, o grupo tem website, página na Wikipedia, conta no Twitter, no Facebook, no Instagram e no Youtube.

Que impacto pode ter?

Neste momento, O Grupo Independente é o quarto grupo parlamentar na câmara dos Comuns, com 12 deputados, depois do Partido Nacionalista Escocês que tem 35. Ultrapassaram os liberais-democratas, que têm 11 eleitos em Westminster. Antes da formação deste grupo, a configuração da câmara dos Comuns já vinha sofrendo ligeiras alterações em relação à que resultou das legislativas antecipadas de 2017, devido a dissidências, eleições intercalares ou lugares deixados vagos por morte. Assim, o Partido Conservador passou de 317 para 314, o Labour de 262 para 247. Se a sangria continuasse, em última análise, a câmara dos Comuns poderia ficar de tal maneira desconfigurada que isso poderia impedir qualquer tipo de voto sobre qualquer acordo renovado acerca da saída do Reino Unido da UE. No limite poderia ser apresentada uma nova moção de censura contra o governo de May e ser desencadeadas eleições antecipadas. Isso poderia ser argumento para adiar o Brexit, através de um pedido de extensão do Artigo 50º do Tratado de Lisboa. Este teria que ser feito pelo governo britânico e aprovado por unanimidade pela UE27.

Em caso de legislativas, muitos se questionam sobre os resultados que teria este grupo centrista, que segundo Ian Dunt do Politico.co.uk, vem colocar um ponto final ao tribalismo tóxico que durante anos foi alimentado pelo Partido Conservador e pelo Labour, achando-se donos do espetro político. "É notável por causa do que representa. Vai contra o constante tribalismo tóxico que infetou o nosso debate político. Este é um momento cultural e também político", escreveu o jornalista e editor do Politico.co.uk, também comentador da BBC, Sky News e Al-Jazeera.

Unidos com outros defensores da permanência e da pertença à UE, que vão desde os liberais-democratas, ao Partido Nacionalista Escocês passando pelo Sinn Féin, poderiam fazer campanha contra o Brexit. Mas para já O Grupo Independente poderá apenas marcar posição, quando May voltar à câmara dos Comuns na terça-feira para falar do Brexit e nas votações que ocorrerem na quarta-feira relacionadas com o mesmo dossiê.

Muitos lembraram que esta não é a primeira vez que há dissidências do género, lembrando o caso dos quatro trabalhistas que em 1981 saíram para formar o Partido Social Democrata. Estes ainda foram a eleições, mas acabaram diluídos nos liberais-democratas. John Curtice, da Universidade de Strathclyde, disse à BBC que "se abriu uma janela para ir para além do bipartidarismo. Resta ver como este grupo vai usar esta oportunidade". O Grupo Independente é um sismo político, sim, mas o seu grau ainda está por apurar.

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