Hamon promete "unir todos os socialistas" numa esquerda "inovadora"
O ex-primeiro-ministro Manuel Valls ainda não tinha terminado o discurso da derrota quando as televisões francesas lhe cortaram a palavra para entrarem em direto com Benoît Hamon. O ex-ministro da Educação acabava de vencer a segunda volta das primárias da esquerda em França, tornando-se assim candidato às presidenciais de abril/maio. Diante de uns apoiantes eufóricos, Hamon prometeu uma "esquerda moderna e inovadora" para escrever uma "nova página da nossa história".
Com as sondagens a colocarem o candidato socialista apenas em quarto lugar numa primeira volta, atrás da líder da Frente Nacional, Marine Le Pen, do candidato da direita, François Fillon, e de Emmanuel Macron, o ex-ministro da Economia que lançou o seu próprio partido En Marche!, Hamon recusou aceitar a "fatalidade". E decidiu estender a mão não só aos outros candidatos da esquerda como aos ecologistas para "construir uma maioria". Jean-Luc Mélenchon, do Partido de Esquerda, não aceitou logo a proposta de Hamon, mas numa nota colocada no Facebook pouco depois, saudou as "palavras tão próximas das nossas" do ex-ministro.
Hamon conseguiu 58,88% dos votos na segunda volta das primárias, contra os 41,12% de Valls. Este desejou "boa sorte" ao rival, lembrando que agora Hamon é "o candidato da nossa família política. Diante dos apoiantes reunidos na Casa da América Latina em Paris, o ex-primeiro-ministro garantiu que "as derrotas fazem parte da vida política e da democracia". E não deixou de lembrar que "perante a subida do populismo e uma América entregue a Donald Trump, recusamos que o rosto de Marine Le Pen seja o rosto de França, ou que Fillon estrague o nosso modelo social". Também Hamon atacou a Frente Nacional, apelando a uma "esquerda vibrante" contra uma "extrema-direita destruidora". Os dois homens juntaram-se ao final da noite para uma foto conjunta, num esforço de união da esquerda. E para um aperto de mão que terá durado não mais de 30 segundos.
Ao escolherem Hamon nestas primárias, os eleitores optam por uma viragem à esquerda da esquerda. Os temas defendidos pelo ex-ministro geraram polémica no PS, nomeadamente a questão do rendimento universal. O candidato quer que cada pessoa em França, seja qual for a idade ou os rendimentos, passe a receber 750 euros por mês. Ontem reafirmou que "o rendimento universal permitirá escolher o trabalho e não sofrê-lo".Benoît Hamon é também favorável à introdução da eutanásia, à liberalização do consumo da canábis e da procriação medicamente assistida para todos e barrigas de aluguer.
As 7500 assembleias de voto abriram às 9:00 locais (menos uma hora em Lisboa) e fecharam às 19:00. Para evitar as críticas da primeira volta sobre o verdadeiro número de votantes, Christophe Borgel, presidente da Comissão Organizadora da primária, prometeu "uma grande vigilância". E à medida que começavam a cair os primeiros resultados parciais, os media tiveram acesso à sala onde estavam a ser compiladas as informações vindas das assembleia de voto.
Com 1,6 milhões de votantes na primeira volta (menos um milhão que em 2011 e bem abaixo dos quatro milhões das primárias da direita), a esquerda sabe que precisa de mobilizar os eleitores para ter alguma hipótese de passar à segunda volta nas presidenciais de abril/maio. Nesta segunda volta, a participação foi um pouco mais elevada, situando-se perto dos dois milhões, deixando os organizadores da primárias a respirar de alívio.
E com Fillon envolvido em vários escândalos - o primeiro envolvendo a mulher, Penelope, a quem terá dado emprego como assessora parlamentar, o segundo sobre o desvio de 25 mil euros quando era senador (ver caixa) - esta pode ser a janela de oportunidade para o candidato da esquerda. Na última sondagem Le Figaro, RTL, LCI, realizada a 26 e 27 de janeiro, já depois do chamado Penelopegate, Fillon (22%) surge quase empatado com Macron (21%) no segundo lugar, atrás de Marine Le Pen (25%). Hamon é quarto, com 15%, à frente de Jean-Luc Mélenchon.
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A vitória de Hamon foi saudada pelas presidente da Câmara de Paris , Anne Hidalgo, e de Lille, Martine Aubry. O presidente François Hollande, que decidiu não se apresentar a estas primárias, preferiu comentar a vitória da França no mundial de handebol. Mas no campo socialista há já quem se comece a passar para o lado de Macron. É o caso do deputado Alain Calmette que em comunicado disse ser "impossível" apoiar Hamon, preferindo apoiar o líder do En Marche!.