De uma mulher canadiana aos confins da alt-right

Como o conceito incel foi deturpado e há ligações entre os supremacistas brancos e a ultra-masculinidade
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A ironia tem destas coisas. O termo "incel" foi criado por uma mulher canadiana em 1996 para designar a sua condição de celibatária involuntária. Alana ainda era virgem a meio da casa dos vinte e desenhou um site onde queria comunicar com outras pessoas igualmente solitárias, criar um movimento de entreajuda. Mais tarde, procurou auxílio psicológico, começou a ir a encontros e resolveu o seu problema, abandonando o site em 2000. Só em 2015 descobriu que o conceito de incel tinha sido capturado por uma minoria com desejos de vingança contra a sociedade.

O crescimento da comunidade incel aconteceu em paralelo à ascensão da alt-right, com sobreposição de valores: misoginia, racismo e sentimento de superioridade face aos imigrantes. Judith Taylor, professora de Sociologia na Universidade de Toronto, explica que a ideia dos incels terem direito a uma série de coisas, incluindo sexo, encaixa num padrão mais alargado. "Se monitorizar o 4chan e o Reddit vê sempre o mesmo tipo de pessoas", adianta. Citando estudos sociológicos, explica que "os homens brancos sentem que têm direito a muito mais do que o resto da população." É um problema: "Eles pensam que outras pessoas têm de pagar pelo facto de não terem sido recompensados e o que se vê muito nestes sites é culparem o feminismo."

A professora considera que as autoridades "devem desenvolver uma imaginação política e social mais apurada para quem são os terroristas", colocando maior atenção nestes grupos de homens brancos que demonstram tendências extremistas. A maioria dos tiroteios em massa nos Estados Unidos é perpetrada por este perfil de atacante, mas o problema costuma ser enquadrado em questões de saúde mental.

A estratégia da alt-right

No rescaldo da eleição de Donald Trump, a Vox fez um trabalho de fundo sobre a forma como a alt-right usou sexismo para atrair homens para a ideologia da supremacia branca e convencê-los de que tinham de votar no candidato republicano. O anti-feminismo serviu como "porta de entrada" para uma ideologia radicalizada e normalizada nas franjas da Internet, do Reddit ao 4chan. A escritora Siyanda Mohutsiwa, que seguiu a génese do movimento, explicou na sua conta de Twitter que a fórmula de doutrinação usada pela alt-right foi a ideia de que estava na altura de os homens voltarem a ser homens, e Trump representava esse regresso a uma masculinidade considerada em perigo.

Os sinais de frustração sexual mesclaram-se com avisos de que a esquerda liberal estava a tentar destruir a masculinidade ocidental e geraram uma tempestade perfeita na "manosphere", que apesar de ter elementos contraditórios também partilha valores comuns. O início, quase sempre, é a procura de outros homens que pensam como eles ou podem ajudá-los. "Estes espaços fomentam o tipo de amizade masculina cuja importância não recebe muita atenção no mundo real", escreveu a Vox.

Ao ler as publicações nos fóruns frequentados pela alt-right, é possível perceber que os homens são encorajados a olharem para as mulheres como alvos sexuais e políticos que devem ser dominados. A ideia é que estão a defender-se da emasculação, o que explica porque é que Hillary Clinton foi enquadrada como uma ameaça à masculinidade, junto com os "guerreiros da justiça social" e o "feminismo de terceira vaga."

"Jovens homens chegaram a estes grupos online à procura de dicas sobre como seduzir miúdas", disse Siyanda Mohutsiwa, "e saíram deles a acreditar que tinham a responsabilidade de salvar a civilização ocidental."

Em Los Angeles

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