De chefe do governo a chefe da diplomacia: como Fabius foi herói da Cimeira do Clima

Deputado aos 32 anos, ministro aos 35, primeiro-ministro aos 37, o atual ministro dos Negócios Estrangeiros é o mais popular do governo francês. Aos 69 anos resta saber se sonha com a reforma ou com o regresso a Matignon
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"Se isto não correr bem, demito-me", afirmava Laurent Fabius em novembro dias antes do início da Cimeira do Clima. O homem que em 1984, aos 37 anos, se tornava o mais jovem primeiro-ministro da história da República francesa e que François Hollande foi buscar para ministro dos Negócios Estrangeiros em 2012 estava empenhado em ficar para a história como "um grande nome da diplomacia mundial", como escrevia a BBC, ao alcançar um acordo para reduzir as emissões de gases poluentes. E conseguiu. Depois de uma maratona de negociações, muitas noites sem dormir e litros de café, no dia 12 Fabius anunciava: "Declaro adotado o acordo de Paris para o clima. Eureka!" E bateu com o martelinho verde na mesa, provocando uma explosão de alegria na sala. Um feito histórico que o deixa com todas as opções em aberto para o futuro político?

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Terminada a conferência, Fabius foi recebido como herói no seu gabinete. "O boss", como lhe chamava a equipa do Quay d"Orsay (sede do Ministério dos Negócios Estrangeiros), vira-se para os colaboradores e garante: "Só vivemos uma coisa assim uma vez na vida."

E a verdade é que os franceses parecem apreciar o trabalho do seu chefe da diplomacia. Aos 69 anos, Fabius acaba de ser eleito personalidade preferida dos franceses pela revista Hebdo du Jeudi. Nada de espantar ou não fosse este o sétimo ano consecutivo em que o ex-primeiro-ministro lidera a lista desta publicação, elaborada com base numa sondagem Ifop. Mais fiável parece ser o último barómetro Opinion Way para a LCI que dá a Fabius uma popularidade de 53%, o ministro mais popular do governo do socialista Manuel Valls, à frente do ministro da Defesa, Jean-Yves Le Drian, e do titular do Interior, Bernard Cazeneuve.

[citacao:Obrigado por esta receção, que sei calorosa em todas as bancadas, mesmo se expressa de formas diversas]

E mesmo entre os políticos, Fabius parece ser bastante popular. Há dias, o seu discurso na Assembleia Nacional em que deu conta dos resultados da Cimeira do Clima foi aplaudido de pé pelos deputados da esquerda. "Obrigado por esta receção, que sei calorosa em todas as bancadas, mesmo se expressa de formas diversas", comentou Fabius com um sorriso.

Rumores e sestas

Confrontado nos últimos meses com rumores sobre o seu estado de saúde e com os problemas judiciais do filho, Fabius bem precisava de uma notícia positiva. Em outubro, em entrevista ao diário L"Opinion, o ministro brincou com os boatos de que sofre de Parkinson. E garantiu: "Como digo sempre: fisicamente estou bem, intelectualmente é que é mais difícil."

Quanto ao facto de várias vezes ter sido apanhado a dormir em cerimónias públicas - como o discurso de Hollande em Argel há dois meses -, Fabius admite: "É verdade que me acontece adormecer, alguns dirão em momentos em que não devia." Mas logo acrescenta à intenção dos que se preocupam com ele: "Alguns fazem melhor a dormir do que outros acordados. Costuma dizer-se isso antes de se ter um enfarte... Bate na madeira! Estou muito bem!"

Dandy de esquerda

Pouco dado aos assuntos da ecologia quando era mais jovem - opôs-se à ecotaxa e outras propostas verdes -, presidir à COP21 foi assim uma tarefa tudo menos óbvia para o antigo menino-prodígio da esquerda. Filho de uma católica americana e de um antiquário francês de família judaica convertida ao catolicismo durante a II Guerra Mundial, Fabius é o típico exemplar da burguesia parisiense. Depois do liceu Louis-le-Grand, Science Po, quando saiu da Escola Nacional de Administração (ENA), Fabius foi trabalhar para François Mitterrand. Deputado aos 32 anos, ministro aos 35 e primeiro-ministro aos 37, o percurso deste amante de arte - em 2011 a coleção privada do avô foi vendida pela Sotheby"s em 9,6 milhões de euros - foi fulgurante.

A sua queda também. Apesar de só ter passado dois anos na chefia do governo, Fabius teve de lidar com dois escândalos: o afundamento do navio da Greenpeace Rainbow Warrior pelos serviços secretos franceses e o caso do sangue contaminado com VIH. Não espanta pois que a esquerda tenha saído derrotada das legislativas de 1986. Presidente da Assembleia Nacional, em 2000 volta ao governo como ministro da Economia e das Finanças por Lionel Jospin. Mantém o cargo durante dois anos e terá de esperar uma década para regressar ao executivo - à frente dos Negócios Estrangeiros.

Há um ano, o homem a quem o L"Express chamou "dandy do hollandismo", devido ao estilo impecável e aos fatos caros, foi falado para substituir Manuel Valls na chefia do governo. Não aconteceu. Resta saber se um regresso a Matignon está nos planos de Fabius ou se prefere uma reforma tranquila ao lado da companheira, Marie-France Marchand-Baylet, a tomar conta da neta, que agora tem dois meses.

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