Covid. China também fabrica teorias da conspiração
Não é só a administração Trump que dá gás a teorias da conspiração sobre a origem do SARS-CoV-2. A China também tem alimentado rumores e fabricações. A campanha de propaganda chinesa incluiu alegações de que os Estados Unidos tinham iniciado o vírus e o transportaram para a China através do exército americano, que o vírus começou em Itália, ou em Espanha, e que Pequim ofereceu grandes quantidades de equipamentos de proteção pessoal e ventiladores a outros países quando, na realidade, a maioria estava a ser vendida.
A última teoria que a China propagou não foi sobre o coronavírus, mas sobre uma nova pneumonia que estaria a atingir o Cazaquistão.
Na quinta-feira, a embaixada chinesa naquele país da Ásia central avisou os concidadãos sobre um surto de pneumonia mais mortal do que o novo coronavírus que estaria a assolar o território cazaque.
"Segundo relatos dos meios de comunicação do Cazaquistão, desde meados de junho, a incidência de pneumonia em Atyrau, Aktobe e Chimkent aumentou significativamente durante o mesmo período. Até agora, cerca de 500 pessoas foram infectadas e mais de 30 pessoas estão gravemente doentes. No primeiro semestre deste ano, a pneumonia causou 1.772 mortes. Só no mês de junho, 628 pessoas morreram, incluindo cidadãos chineses. A taxa de mortalidade da doença é muito mais elevada do que a do novo coronavírus", alertava a embaixada.
O Ministério da Saúde do Cazaquistão desmentiu o comunicado chinês, mas foi apanhado num momento em que às críticas recebidas pela forma como tem lidado com a pandemia, geria a transição, com um novo ministro (o anterior saiu após ter sido contaminado com covid).
O Ministério da Saúde reconheceu a presença de "pneumonias virais de etiologia não especificada", mas disse que o aviso emitido pela embaixada chinesa "não correspondia à realidade".
O governo cazaque voltou a impor um confinamento, mas em resposta a um aumento do número de casos de covid.
O ministério reconheceu que tinha classificado como casos de pneumonia aqueles em que os sintomas de coronavírus estavam presentes, mas os testes deram negativo, tendo alegado que a prática estava de acordo com as diretrizes da Organização Mundial de Saúde.
À BBC, médicos e familiares das vítimas cazaques disseram que o número crescente de casos de pneumonia deve estar ligado ao coronavírus, mas que não estavam a ser detetados devido à baixa qualidade dos testes ou à ausência de quaisquer testes.
A explicação para o suposto vírus misterioso será portanto mais simples: o número de casos de coronavírus deverá ser superior aos 56 mil oficialmente contabilizados, assim como os óbitos, 264, correspondendo a esses casos designados como pneumonia.
Sendo esta uma dúvida lançada a muitos países, ganha mais tração na Ásia central, onde países como Tajiquistão e Usbequistão contam os mortos na casa das cinco dezenas e no Turcomenistão não há oficialmente um único caso de covid-19.
As alegações sobre este surto de pneumonia grave apareceram dias depois de terem aparecido casos de peste bubónica na China.
Este caso de intoxicação noticiosa pode enquadrar-se no padrão de a China procurar oportunidades de se livrar da acusação de ter ocultado a epidemia nas suas fases iniciais ou das acusações, sem provas, de que o vírus teve origem no Laboratório de Virologia de Wuhan.
A propaganda chinesa no que ao coronavírus respeita concentrou-se acima de tudo em mensagens para consumo interno, que se centraram em termos "EUA versus China", o que tem sido "fundamental para galvanizar o nacionalismo e reforçar a imagem do Partido (Comunista Chinês) como defensor da nação chinesa, o que era urgentemente necessário para reparar os danos que o covid-19 causou à sua legitimidade e, em particular, à autoridade pessoal de Xi (Jinping)", comentou a docente Olivia Cheung da SOAS China Institute de Londres .
Nessa linha, Zhao Lijian, diretor-adjunto do Departamento de Informação do Ministério dos Negócios Estrangeiros, tuitou no dia 12 de março: "Pode ter sido o Exército dos EUA a trazer a epidemia para Wuhan. Sejam transparentes! Tornem públicos os vossos dados! Os Estados Unidos devem-nos uma explicação!"
Lijian referia-se à estada de militares norte-americanos em Wuhan, e que participaram nos Jogos Mundias Militares, em outubro de 2019. Vários atletas que participaram no evento desportivo afirmaram ter sofrido sintomas semelhantes aos do coronavírus.
Dez dias depois, o canal estatal China Global Television Network (CGTN) começou a a afirmar que a origem do coronavírus podia estar em Itália. A peça citava uma reportagem da norte-americana NPR, na qual o médico italiano Giuseppe Remuzzi disse ter ouvido falar de uma estranha pneumonia que era muito grave, particularmente em pessoas idosas, já em dezembro ou mesmo em novembro.
"Isto significa que o vírus estava a circular, pelo menos na [região norte da] Lombardia e antes que tivéssemos conhecimento da ocorrência deste surto na China", disse.
A mesma lógica foi outra vez usada pelos meios de comunicação chineses, desta vez no final de junho, e com a Espanha como origem do vírus, tendo como base um estudo não revisto nem validado pelos pares. "Covid-19 nos esgotos de Espanha aproxima-nos um pouco mais da origem do vírus", noticiou o Global Times.
No estudo da Universidade de Barcelona, na qual se analisaram os esgotos, descobriram-se traços de SARS-CoV-2 em águas residuais de março de 2019, mas os resultados foram contestados pela microbióloga holandesa Elizabeth Bik.