Covid 19. Pode o sangue dos que já estão curados ajudar quem está em estado grave?

Hospitais em Madrid vão testar, de forma experimental, o uso de plasma sanguíneo de pacientes já curados do covid-19, que já desenvolveram defesas contra o novo coronavírus.
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Com os serviços hospitalares a entrarem em colapso face ao crescente número de pessoas infetadas com coronavírus (mais 769 mortes só nas últimas 24 horas), alguns hospitais espanhóis tentam agora uma nova abordagem para os pacientes mais graves: a transfusão direta de plasma sanguíneo de pessoas que já recuperaram da infeção e que terão, por isso, desenvolvido defesas contra o novo coronavírus.

Segundo o jornal espanhol El País, o Centro de Transfusão da Comunidade de Madrid está a trabalhar em contrarrelógio com vários hospitais num ensaio clínico, ainda em fase muito preliminar e que também está ainda dependente de autorização das autoridades de saúde para poder avançar.

Esta opção terapêutica está longe de ser uma estratégia nova: foi utilizada há 100 anos, na pandemia da gripe pneumónica que matou mais de 50 milhões de pessoas em todo o mundo - mais do dobro das que morreram na primeira Guerra Mundial. Mas é ainda mais antiga: foi desenvolvida em 1890 como tratamento contra a difteria por Emil von Behring, um imunologista alemão que viria a ganhar o prémio Nobel da Medicina em 1901.

O El País cita o imunologista Arturo Casadevall, que desde finais de janeiro tem vindo a pedir à comunidade científica internacional que considere a hipótese de usar o plasma de pessoas já curadas naquelas que estão infetadas, em estado grave, com covid-19. No final de fevereiro, Casadevall, especialista em doenças infecciosas na universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, escreveu no The Wall Street Journal que a vacina contra o covid-19 demorará meses, mas o plasma poderia ser usado em semanas. Na última terça-feira a autoridade que regula os alimentos e os medicamentos nos Estados Unidos ( Food and Drug Administration , FDA) autorizou transfusões, a título experimental, em pacientes graves.

"Quando a situação começou a piorar, ficou claro que valia a pena tentar. Foi tudo muito rápido", explicou o imunologista, através de vídeo-conferência. Dois hospitais de Nova Iorque - onde, a esta altura, o número de vítimas do covid-19 duplica a cada dois dias - começam na próxima semana a testar este método.

"Ganhar tempo até que exista uma vacina"

Graça Esteves, especialista em hematologia no hospital de Santa Maria, sublinha que estamos perante uma situação de "imunização passiva" (por contraponto à imunização ativa, que são as vacinas), que se coloca "sobretudo no caso dos doentes mais graves, em que o organismo não tem tempo para produzir os anticorpos: o que se faz é administrar esses anticorpos já feitos". Uma imunização que "não é permanente, não dura mais que alguns meses".

"No fundo, do que se trata é de ganhar tempo até que exista uma vacina", dado que só esta criará imunidade duradoura à doença. Graça Esteves destaca também que esta terapêutica exige assinaláveis dádivas de sangue para se chegar ao plasma que contém as proteínas geradas pelo corpo humano para combater a infeção. No caso do novo coronavírus levanta-se também a questão, que não está totalmente esclarecida, de possíveis reinfeções dos doentes que já se curaram da covid-19.

A imunização passiva já deu provas em algumas situações específicas: em 2014 foi usada em doentes com ébola, que receberam plasma de pessoas já curadas da doença, e estima-se que terá salvado cerca de um terço dos doentes. Mas cada doença é um caso específico. A própria FDA já advertiu que "embora prometedor, o plasma das pessoas recuperadas não provou ser eficaz em todas as doenças estudadas".

Atualmente há duas linhas a ser seguidas no combate ao coronavírus, no que respeita à terapêutica de imunização passiva. A companhia farmacêutica japonesa Takeda está a extrair uma mistura de anticorpos chamada TAK-888 do plasma de 19 pacientes curados do covid-19.

De acordo com o El País, a multinacional espanhola Grifols, um dos grandes produtores mundiais de derivados de sangue, também anunciou esta quarta-feira um acordo de colaboração com a FDA para recolher plasma de pacientes curados do covid-19, processá-lo industrialmente e fabricar um medicamento experimental contendo uma alta concentração das imunoglobinas geradas pelo corpo humano para combater a infeção. "A mostrar-se eficaz, podia ser usada na luta contra esta pandemia", assinala a empresa.

Há uma outra abordagem, que está a ser testada pela californiana Vir Pharmaceuticals e pela chinesa WuXi Biologicals, que estão a testar se os anticorpos desenvolvidos pelas pessoas que ficaram doentes, em 2003, com síndrome respiratória aguda severa (SARS) terão alguma eficácia contra o atual Sars-Cov-2, dado tratar-se de dois vírus da mesma família. Mas este é um caminho que está apenas a começar a ser explorado.

Um dado é certo. Ainda que estas linhas de investigação, ou algumas delas, venham a dar resultados, a terapêutica da imunização passiva não substitui a necessidade de uma vacina que, essa sim, criaria imunidade duradoura à covid-19.

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