Coca-Cola tem poder de suprimir estudos científicos desfavoráveis
Estudo da universidade de Cambridge conclui que empresa tem acesso antecipado à investigação que financia e pode cancelar estudos sem ter de dar justificações
Os contratos através dos quais a Coca-Cola financia estudos científicos sobre os impactos dos seus produtos na saúde permitem à marca suprimir os resultados desfavoráveis, segundo uma investigação publicada es quarta-feira.
Num estudo da universidade britânica de Cambridge publicado no boletim Journal of Public Health Policy, baseado na análise de mais de 87.000 documentos legais, apontam-se várias cláusulas que permitem à empresa ter resultados preliminares da investigação em universidades públicas nos Estados Unidos e no Canadá e cancelá-los sem dar qualquer justificação mesmo antes de terminarem, ficando com os dados e com a propriedade intelectual.
Nos documentos analisados não há provas de que a Coca-Cola tenha suprimido investigação que lhe seja desfavorável, mas "o importante é que essa possibilidade existe", referem os autores, que tiveram acesso aos contratos, ao abrigo da lei americana sobre liberdade de informação.
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"É verdade que os contratos que analisámos permitem que descobertas desfavoráveis sejam suprimidas antes da publicação", afirmou a principal autora do estudo, Sarah Steele.
"A Coca-Cola declara-se na vanguarda da transparência no que toca às empresas que financiam investigação sobre saúde, mas o nosso estudo sugere que investigação importante pode nunca ser tornada pública e nunca saberíamos dela", acrescentou.
A investigadora referiu que especialistas em nutrição acusam a indústria alimentar "de copiar as táticas da indústria do tabaco" e defendeu que "a responsabilidade social das empresas tem de significar mais do que 'sites' bonitos em que se proclamam práticas progressistas que são ignoradas".
O alto consumo de calorias, alimentos e bebidas com baixo valor nutricional são considerados fatores importantes na epidemia de obesidade infantil, o que já levou governos como o do Reino Unido a introduzir um "imposto sobre o açúcar" em muitos refrigerantes, incluindo os da marca Coca-Cola.
A maior parte da investigação que a Coca-Cola financia debruça-se sobre nutrição, sedentarismo e equilíbrio energético.
Os autores do estudo hoje publicado reclamam que sejam divulgados quais os estudos que foram cancelados e apelam aos investigadores ao serviço da indústria para que deem ao público garantias de independência da sua pesquisa.
O acesso aos documentos foi solicitado pela Right to Know ("Direito a Saber"), uma organização não lucrativa dedicada aos direitos dos consumidores e à saúde pública.
Ao abrigo da lei da Liberdade de Informação, pediu para consultar 129 contratos e encontrou cinco celebrados com as universidades de Louisiana, Carolina do Sul, Washington (nos EUA) e Toronto, no Canadá.
Embora não prevejam que a Coca-Cola interfira no dia a dia das instituições científicas, dão à marca vários direitos, como o de ser informada de atualizações ou conclusões antes da publicação, e de cancelar estudos prematuramente sem qualquer justificação.
"Estes contratos sugerem que a Coca-Cola quer o poder de suprimir a investigação que financia e que possa prejudicar a sua imagem ou os seus lucros", afirmou o codiretor da Right to Know, Gary Ruskin.
"Tendo o poder de promover resultados positivos e esconder os negativos, a investigação financiada pela Coca-Cola mais parece um exercício de relações públicas", acrescentou.