Amapá, o estado brasileiro há 17 dias sem luz
Escuridão total, racionamento de água, alimentos a apodrecer e vandalismo afetam os mais de 900 mil habitantes de uma região já atormentada pela pandemia. Na capital, Macapá, nem sequer se puderam realizar as eleições municipais. Ministro da Energia ultrapassado pelos acontecimentos.
A maior parte das cidades do Amapá, estado no norte do Brasil com perto de 900 mil habitantes, está há 17 dias a enfrentar um apagão elétrico que, por sua vez, afetou o abastecimento de água, a compra e o armazenamento de alimentos ou os serviços de telefonia e de internet. Macapá, a capital, foi mesmo o único dos 5565 municípios brasileiros a ter as eleições para a sua autarquia no último domingo adiadas em virtude dos problemas derivados do fornecimento de energia.
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Em vídeo enviado ao DN, um dos três senadores amapaenses, Randolfe Rodrigues, do Rede Sustentabilidade, relata o apagão de terça-feira, dia 17, quando nalguns pontos a energia já havia sido retomada.
"São 22h04, estou aqui na zona sul de Macapá (...) Macapá está toda no escuro, salvo alguns locais, como restaurantes, que têm gerador, a cidade de Macapá está em apagão total e pelas informações que tenho, o mesmo se passa em Santana, Mazagão e outros municípios que também estão no escuro (...) Além do apagão total de luz, também temos, mais grave, um apagão total de informações, nenhuma autoridade nos diz o que aconteceu".
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Diariamente, a população local vai efetuando protestos, num total de 110, até quarta-feira, dia 18.
Reportagem do jornal O Estado de São Paulo no segundo estado menos populoso do Brasil dá conta de tensão e conflitos entre os habitantes da capital Macapá - além de atos isolados de vandalismo, organizações criminosas têm se beneficiado do black out.
E de prejuízos incontáveis no comércio - os mercados de peixe, importante atividade económica da cidade, com seis mil pescadores a operar só no centro da cidade, deitam camiões de pescadas, pacus e banquinhas, especialidades da região, no lixo.
Além de busca desesperada por água e comida - sem energia elétrica, as bombas das tubulações da rede e os sistemas dos poços artesianos e os frigoríficos e outros locais de armazenamento de alimentos não funcionam.
Sob um calor de 33 graus e em plena pandemia de coronavírus, as populações procuram canos pelas ruas, furam-nos e tentam encher o máximo possível de baldes de água para levar para casa.
A água ficou cara - os garrafões, antes a 6 reais, subiram para 17 - e o carregamento de telemóveis também - comerciantes com gerador cobram entre 5 e 10 reais para emprestar as tomadas dos estabelecimentos.
O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, foi ao estado na quinta-feira, dia 19, acompanhado de secretários do ministério, representantes do Operador Nacional do Sistema Elétrico, da Empresa de Pesquisa Energética e da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), o órgão regulador do setor.
"Tudo está sendo apurado. A portaria do ministério de dia 4 já diz: prioridade número um, restabelecer energia ao Amapá por todos os órgãos vinculados ao ministério, isso está sendo feito. Item dois da portaria: apurar com rigor as causas e as responsabilidades, isso está sendo apurado", disse o ministro.
Jair Bolsonaro foi questionado por jornalistas sobre a situação no Amapá por duas vezes durante um evento em Goiás na quarta-feira, dia 18, mas não respondeu.
O senador Randolfe Rodrigues disse, entretanto, que "para o ministro, que pega um jatinho, fica aqui uma meia hora, dá entrevista para a TV e volta, está ótimo". "E o presidente Bolsonaro foi para Florianópolis [sul do país], não veio para cá. O presidente poderia ficar aqui um dia no racionamento, no calor. O ministro também. Aí veriam um pouco da situação real".
O drama no estado começou no dia 3, quando 13 das 16 cidades do estado ficaram no escuro. Após forte chuva, uma explosão seguida de incêndio comprometeu os três transformadores na mais importante subestação elétrica do estado, em Macapá.
Só três dias depois, o Ministro de Minas e Energia, em uma reunião com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, que foi eleito pelo Amapá, prometeu a normalização da situação a breve trecho. "Nós pretendemos restabelecer 100% da energia no Amapá em até dez dias,", afirmou Bento Albuquerque. No dia seguinte ao fim do prazo dado pelo ministro, no entanto, deu-se novo apagão.
No dia 9 de novembro, o governador do Amapá, Waldez Góes (PDT), afirmou à Globonews que quem deveria identificar e punir os culpados pelo apagão energético seriam os órgãos federais.
Nesse mesmo dia, a concessionária Linhas de Macapá Transmissora de Energia, que opera a subestação incendiada, pronunciou-se pela primeira vez sobre o apagão, citando "danos complexos" e em "expectativa do regresso da energia o quanto antes".
No dia 10 de novembro, o diretor-geral do órgão regulador, a ANEEL, anunciou a abertura de uma investigação para apurar as causas do apagão no Amapá. Segundo André Pepitone, a LMTE foi notificada para prestar os esclarecimentos necessários à investigação.
No dia seguinte, o Tribunal de Contas da União (TCU), que fiscaliza o governo federal, aprovou a realização de uma auditoria para apurar irregularidades e omissões. Segundo o órgão, a verificação justifica-se "diante do quadro de incontáveis prejuízos e danos à população, além das possíveis irregularidades e omissões" que levaram ao apagão.
No dia 15 todo o Brasil foi às urnas - todo, não, na cidade de Macapá, por decisão do Tribunal Superior Eleitoral, as eleições foram adiadas para dezembro em virtude do apagão.
No dia seguinte ao transporte, por estrada e pelo rio Amazonas, de um transformador que pesa cerca de 100 toneladas, novo apagão total.
O Operador Nacional do Sistema Elétrico confirmou que houve novo desligamento no Amapá no momento da retomada de energia de uma linha de transmissão.
Randolfe Rodrigues solicitou na noite de quarta-feira, dia 18, "um processo de investigação sobre o apagão" onde afirma que "mais do que o restabelecimento total e imediato da energia", os amapaenses querem "a responsabilização urgente dos culpados".
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