A "Bolsonaro de saias" contra a ativista anti-Dilma: apoiantes do presidente trocam ataques

As deputadas Joice Hasselmann, jornalista acusada de plágio 65 vezes, e Carla Zambelli, que se tornou monárquica em poucas horas, expõem fragilidades da base de apoio do governo.

Joice Hasselmann, que gosta que lhe chamem "Bolsonaro de saias", e Carla Zambelli, que fez questão de herdar o gabinete na Câmara dos Deputados do hoje presidente da República, zangaram-se. Eleitas pela primeira vez nesta legislatura, a reboque do sucesso das redes sociais Facebook e Twitter, de canais do Youtube e de grupos de Whatsapp, as duas deputadas são consideradas a mais fiel tradução do grupo parlamentar do PSL, que em cinco meses de atuação acumula brigas e fofocas - além de derrotas parlamentares consecutivas para a oposição.

A última briga - disputada, como não poderia deixar de ser na internet - deve-se a um desentendimento prático: Hasselmann, líder do grupo parlamentar, é da ala pragmática; Zambelli, da ideológica.

Começou com uma sequência de tweets de Zambelli a cobrar Hasselmann pelas cedências desta ao "blocão", como é conhecido o poderoso grupo de partidos clientelistas do Congresso Nacional, em vez de optar por uma mudança na forma de governar, sem negociar com esses partidos, como Jair Bolsonaro prometeu em campanha. "A Medida Provisória 870 [projeto do governo] sofreu grave ataque na comissão. A líder Joice Hasselmann não fala nada disso em suas redes, porquê?".

"Porque ao contrário de você, penso no bem do país e do governo. Eu estou preocupada com o país, e não com curtidas em tweets ou lives. Porque eu sou inteligente, já você...", respondeu Hasselmann. E mais tarde dobrou os ataques acusando Zambelli de praticar nepotismo, citando dois casos de nomeações de familiares da deputada.

Esta reagiu dizendo que "ela está preocupada é em fazer a sua pré-campanha para 2022, por isso está viajando pelo Brasil e não defende 26/05", numa referência ao próximo domingo, data em que os bolsonaristas mais fiéis preparam uma manifestação de apoio ao presidente e contra os outros poderes, o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional. Sobre nepotismo, sugeriu que Hasselmann "talvez preferisse alguém do "blocão" no lugar".

E a líder parlamentar rematou a discussão acusando a ex-amiga de ingratidão e de "atrapalhar tudo". "O problema da serpente? Pura inveja. Está no olhar. Farsa", ilustrando com uma fotografia em que durante um abraço seu à atriz e apoiante do governo Regina Duarte, a deputada Zambelli lança um olhar fulminante.

Recordista de votação e de audiências

Com cerca de um milhão de votos em outubro, um recorde entre deputadas, Joice Hasselmann, 41 anos, tornou-se recordista de audiência ao publicar textos e vídeos nas redes sociais conotados com a extrema-direita. Em dois dos mais vistos, já durante a campanha eleitoral, garantia que se o eleitor digitasse o número 1 na urna eletrónica automaticamente surgia a imagem do candidato do PT Fernando Haddad - no Brasil, a votação é realizada em máquinas tipo multibanco em que se digita o número do candidato, quer Haddad (13), quer Bolsonaro (17) tinham números iniciados por 1. O vídeo foi enquadrado pelo Tribunal Eleitoral na categoria Fake News.

Noutra ocasião, a jornalista de formação anunciou, sem citar fontes nem apresentar provas, que a sua antiga empregadora, a revista Veja, recebera 600 milhões de reais (cerca de 135 milhões de euros) para escrever uma reportagem contra Bolsonaro nos últimos dias de campanha.

Hasselmann fora notícia anos antes por ter sido despedida da Veja e punida pelo conselho de ética do sindicato da categoria do estado do Paraná após 23 companheiros de trabalho de veículos de comunicação, incluindo da própria Veja, a terem acusado de 65 plágios em reportagens assinadas por 42 profissionais diferentes.

Uma vez eleita, prometeu continuar a publicar textos e vídeos e transformar "o Congresso Nacional num reality show" - tem conseguido. Já antes do duelo com Zambelli protagonizara outra briga pública com o também deputado do PSL Eduardo Bolsonaro, terceiro filho do presidente, a quem acusou de se ter eleito "graças ao apelido" e de ser "infantil", depois de ele a ter chamado de "sonsa" com "fama de louca".

Antes, partilhara nas redes sociais uma ameaça de que fora alvo. Como num filme de mafiosos, abriu a porta da sua residência em São Paulo e encontrou uma cabeça de porco, uma peruca loira e um bilhete com a frase "vai sofrer e vai morrer". "Adianto que já chamei a polícia e que esse "presentinho" não muda em um minuto o meu dia, tenho muito trabalho, sigo a agenda e não tenho medo de bandido", avisou.

Ao tomar posse, sabendo que o gabinete onde ia trabalhar fora um dia ocupado pelo deputado Lula da Silva, benzeu-o com a ajuda de um guru espiritual.

No ex-gabinete de Bolsonaro

Por sua vez, o gabinete de Carla Zambelli, 38 anos, na Câmara não é dos melhor localizados por estar muito longe das casas de banho das mulheres. No entanto, ela fez questão de ficar com ele e de não trocar um único móvel. "É que o gabinete pertenceu por 27 anos a Jair Messias Bolsonaro, faz parte de uma história importante para mim e para milhões de brasileiros, tenho o desejo de o preservar intacto".

Zambelli destacou-se durante as manifestações pro-impeachmentde Dilma Rousseff, como mentora do grupo Nas Ruas, conhecido também por popularizar a moda dos "pixulekos", bonecos gigantes infláveis de Lula, vestido de presidiário, e de outros alvos.

Na campanha, tal como a agora rival, também teve um episódio de Fake News ao associar o deputado Jean Wyllys a pedofilia. Foi condenada a pagar cerca de 10 mil euros sem direito a recurso. E um dia recebeu voz de prisão da polícia legislativa por ter insultado um deputado do PT.

Conhecida por ser radicalmente anti-esquerda - chegou a romper com um irmã por razões ideológicas - durante a retirada de um tumor benigno no cérebro a sua maior preocupação, afirmou, era que nenhum dos médicos "fosse um petralha", a forma pejorativa como os simpatizantes do PT são chamados.

Em 2017, entretanto, bastaram umas horas de conversa com membros da família Orléans e Bragança, herdeira do trono brasileiro, para se tornar fiel monárquica. Trata-os desde então como "suas altezas", entre os quais Luiz Philippe, outro membro do heterogéneo grupo parlamentar do PSL, que na semana passada relativizou a escravidão - "é da natureza humana" - enquanto discursava na Câmara dos Deputados.

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