Ucrânia. Voto do PCP aprovado debaixo de um coro de críticas

"Cínico", "hipócrita, "indecoroso". Um voto de pesar do PCP pelas vítimas do conflito na Ucrânia foi aprovado pela abstenção da maior parte dos grupos municipais na Assembleia Municipal de Lisboa, mas muitos distanciaram-se do texto.
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Um voto de pesar do PCP "pelas vítimas da violência e da guerra na Ucrânia" voltou a provocar polémica esta tarde na Assembleia Municipal de Lisboa. Apesar de ter sido aprovado - com os votos favoráveis dos deputados municipais do PCP, PEV, do PPM e do deputado independente Miguel Graça, e a abstenção ou o voto contra das restantes bancadas - o texto provocou um coro de críticas na reunião da AM. "Cínico", "hipócrita", "indecoroso" ou uma "boa oportunidade para ficar calado" foram algumas das críticas que se ouviram no Fórum Lisboa.

O texto do voto apresentado pelo PCP defende que "é preciso pôr fim à guerra que tem lugar na Ucrânia desde há oito anos e que não devia ter começado".

Um dos pontos que provocou maior polémica foi a referência aos acontecimentos em Bucha e o facto de o texto falar em "crimes de guerra" usando aspas. "As notícias difundidas a partir dos centros de poder ucranianos e ampliadas pela máquina de propaganda que tem rodeado a guerra na Ucrânia a partir da alegação de "crimes de guerra" ocorridos em Bucha, bem como as alegações russas de que se tratou de uma operação de manipulação desencadeada por forças ucranianas, sendo informações contraditórias, são inquietantes e exigem cabal apuramento", refere o texto subscrito por Natacha Amaro, enquanto representante do grupo municipal comunista.

Para o PCP é necessário "um cabal e rigoroso apuramento dos relatos relativos à morte de populações civis em Bucha", que deve ser assegurado por entidades "efetivamente independentes", sobretudo "considerando exemplos de situações anteriores apresentadas como verdadeiras e que posteriormente se confirmou serem falsas e baseadas em operações de manipulação" - como "se verificou pela falsa invocação dos Estados Unidos da existência de armas de destruição massiva que conduziu à guerra no Iraque". Operações que o PCP insere "numa linha de provocação para justificar junto da opinião pública estratégias de agressão e ingerência".

O voto - que nunca refere a invasão russa da Ucrânia - teve a abstenção do PS, PSD, Bloco de Esquerda, PAN, Iniciativa Liberal , CDS, Livre e da deputada independente Daniela Serralha. Votaram contra o Chega, o Aliança e o MPT, bem como Maria da Graça Ferreira, socialista que preside à junta de Freguesia de Santa Clara.

Após a votação vários partidos e deputados municipais subiram ao púlpito para justificar o voto. Foi o caso de Manuel Lage Portugal, que justificou a abstenção do PS pelo facto de se tratar de um voto de pesar pelas vítimas, mas distanciando-se do texto. "Não conseguimos rever-nos em crimes de guerra entre aspas. Já passámos esse tempo há muito tempo. Hoje em dia não há crimes de guerra entre aspas, o que vemos são crimes de guerra tout court". "Aquilo que o PCP aqui veio fazer foi justificar o injustificável. O PS não vota a favor de votos deste teor nem branqueia a ação da Federação russa", apontou o líder da bancada municipal socialista.

Pelo PSD, Luís Newton falou num "voto cínico". "Não existem dois lados maus nesta guerra, existe um", apontou o social-democrata que preside à Junta de freguesia da Estrela, afirmando que a situação na Ucrânia deveria merecer "de todas as forças políticas democráticas um inequívoco voto de repúdio".

Pela Iniciativa Liberal a deputada municipal Angélique de Teresa defendeu que o PCP "perdeu uma excelente oportunidade para ficar calado", classificando o voto como "uma vergonha". José Inácio Faria, do MPT, também subiu ao púlpito para afirmar que é "a primeira vez, desde há anos e anos, que o MPT vota contra um voto de pesar", mas que este é um texto "hipócrita" e "indecoroso". Os restantes partidos anunciaram declarações de voto escritas sobre a votação desta tarde.

Na resposta, Natacha Amaro referiu que o voto de pesar do PCP é sobre "as vítimas" - "O que nos separa não tem a ver com esse pesar, o que nos separa é a análise dos factos".

A deputada referiu-se também ao uso das aspas na expressão "crimes de guerra", defendendo que tem de haver uma "investigação relativamente às atrocidades que foram cometidas naquela região" e lembrando que o "próprio secretário-geral da ONU já exigiu uma investigação independente sobre as mortes de Bucha". "Aqui nesta assembleia a esmagadora maioria das pessoas, pelos vistos, já sabe garantidamente o que aconteceu", criticou a deputada municipal. E foi também com este argumento que justificou a abstenção em dois votos anteriores sobre os acontecimentos em Bucha, dois textos apresentados pelo Livre e pelo MPT, que tiveram o voto favorável de todas as bancadas, com exceção do PCP, que se absteve.

Com a aprovação do voto, a Assembleia Municipal fez um minuto de silêncio "pelas vítimas da violência e da guerra na Ucrânia, quer as mais recentes, quer as que se verificaram desde 2014", como referia o texto do PCP.

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