A arquiteta com medo de abelhas

Ana Rita Veríssimo trocou o ateliê e a azáfama de Lisboa por uma nova vida em Mação, onde montou um "negócio das abelhas" e se deixou contagiar pela natureza.

À medida que vestimos os fatos brancos conseguimos já ouvir o zumbir das abelhas. Ao metermo-nos ao caminho por entre os arbustos pintados com as cores das flores de esteva, urze e rosmaninho, este som torna-se cada vez mais intenso. Estamos ainda a uns metros das colmeias e já somos escoltados por um enxame que se agarra à rede que nos protege o rosto.

O cheiro intenso a mel que exala destes insetos invade-nos as narinas e recordamos a recomendação de Ana Rita Veríssimo para evitar fazer movimentos bruscos. Qualquer agitação pode despertar o sentimento de defesa destes pequenos animais e presentearem-nos com um ferrão - e o veneno que lhe está adjacente.

O ferrão pode inclusive atravessar a roupa de proteção e as nossas luvas de borracha: "Só de pensar que tinha terror de abelhas!", diz a sorrir Ana Rita. Hoje, pela maneira como agilmente levanta as tampas das colmeias para depois verificar o processo de enchimento dos favos de mel, ninguém diria.

A tradição apiária é muito forte em Mação, um território vasto, com grandes cursos de água, onde é possível alojar colmeias no meio da natureza e distanciadas das povoações. Existiam laços familiares que ligavam Ana Rita e o marido a esta região, mas estamos "num território onde a cultura de abelhas está enraizada de uma forma muito profunda". Em relação ao mel, é na família do marido, Vasco Diogo, que há três gerações se trabalha em conjunto com as abelhas.

À medida que os benefícios para a saúde deste produto são conhecidos, o consumo de mel aumenta. No nosso país já existem quase 12 mil apicultores e mais de 750 mil colmeias. Todavia, o mercado é composto na sua maioria por pequenos produtores que, além de se preocuparem com a concorrência externa à União Europeia, têm ainda de lidar com pragas como a vespa asiática ou outra maldição que todos os anos os preocupa: os incêndios. Estamos no concelho com maior área ardida durante os incêndios de agosto de 2017. Foram 28 mil hectares, representando quase 80% do concelho e atingindo os meios de subsistência de 50 aldeias, ou seja, apesar de não terem existido vítimas mortais, existiu uma catástrofe em termos económicos e sociais.

Antes de ter vencido o seu medo das abelhas Ana Rita Veríssimo, vivia com o marido em Lisboa. Arquiteta de profissão, habituada às correrias de uma vida na cidade com os ritmos próprios de uma profissão que lhe "exigia 13 ou 14 horas de trabalho diário", sempre pressionada para cumprir prazos de entrega de projetos e pouco tempo para estar com quem mais gostava. Talvez por a pressão constante da vida de cidade a desgastar, no seu espírito começou a fermentar a ideia de que talvez fosse possível mudar de vida.

As ligações familiares que tinham com o concelho no interior do país tornavam este sítio uma opção viável. De início, começaram por estudar o concelho e a viabilidade da apicultura. Principiaram por explorar a ideia de ir, paulatinamente, criando a alternativa neste lado, enquanto mantinham a vida em Lisboa. O plano era mudarem-se somente quando o negócio das abelhas estivesse montado.

Mas tinham a sensação de que as coisas estavam a arrastar-se e não se resolviam. Até que um dia decidiram tomar a opção mais radical: vender a casa, despedirem-se e rumar a Mação. Nos primeiros tempos tudo lhe parecia muito difícil, o que a levou "a deixar uma porta aberta no ateliê em Lisboa, caso voltasse a precisar de trabalhar como arquiteta". Mas rapidamente fechou essa porta. "Eu não quero ser a Ana Rita que veio de Lisboa, até porque hoje sou outra pessoa."

Acredita que se deu nela um ajuste psicológico, fruto da impressão que esta natureza forte lhe deixou, mas também do convívio com pessoas autênticas e genuínas, habituadas a trabalhar neste meio rural, como aconteceu aquando da primeira colheita de mel: "A cresta do ano passado contou com a ajuda de imensa gente, impressionou-me a união que estas pessoas mostraram com o nosso projeto."

Depois de um ano sem voltar ao estirador, o trabalho de apicultora começa a contagiar o seu antigo ofício, começando a ter outra visão: "Estou a descobrir uma nova arquitetura com este mindeset e é maravilhosa a forma de organização de uma colmeia, também vemos a nossa vida de forma diferente." Mais importante é a calma que agora sente e a comunhão com esta forma de estar na vida. Se "o primeiro contacto com as abelhas foi de terror, agora é uma paixão".

Mação

É um concelho do distrito de Santarém, já na província da Beira Baixa e na sub-região do Médio Tejo, que se destaca pelo facto de produzir cerca de 70% do presunto nacional. A vila de Mação tem menos de 2 mil habitantes.

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reinaldo.t.rodrigues@globalimagens.pt

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