Utentes dizem que viajar na Fertagus "está a ficar incomportável" com comboios cheios e multidões nas plataformas
Comboios apinhados, atrasos e uma multidão na plataforma sem conseguir entrar nas carruagens era o cenário na manhã desta segunda-feira na estação ferroviária da Fertagus, em Corroios, Seixal, situação que os utentes afirmam ser agora uma constante diária.
Mafalda Barreiro, que usa este transporte todos os dias, disse à Lusa que a situação está a tornar-se incomportável.
"Trabalho no Rossio [Lisboa] e isto está impossível. Hoje já estou aqui há uma hora e não consigo entrar nos comboios que passam porque já vão cheios", disse.
A demora de hoje, acrescentou, levou mesmo a sentir necessidade de pedir uma justificação para entregar no emprego.
"Isto é demais. Está a ficar incomportável e todos os dias há pessoas a sentirem-se mal nestas viagens porque nem se respira", frisou.
Luísa Marques, que aguardava também na plataforma, confirmou todas as observações feitas por Mafalda Barreiro e acrescentou: "Aqui está assim, no Pragal ainda está pior".
Questionadas sobre desde quando o serviço de transporte ferroviário que liga Setúbal a Lisboa tem registado estes constrangimentos, ambas afirmaram que há já algum tempo que "está complicado", mas desde dezembro, com as alterações de horário efetuadas pela empresa, a situação agudizou-se.
Amélia Mira, outra das utentes deste transporte, residente no Alto do Moinho (freguesia de Corroios), acabou por desistir do comboio e procurar chegar a Lisboa através do transporte fluvial em Cacilhas.
"Ultimamente tem sido o caos. Hoje vou desistir, porque na plataforma quase não se entra. Vou então apanhar o metro de superfície e procurar chegar a Lisboa usando os barcos de Cacilhas", disse, adiantando que chegou à estação às 08:50 e "foi manifestamente impossível entrar no comboio".
Na plataforma, muitas pessoas aguardam que um dos comboios possa chegar mais vazio, outras avançam e tentam entrar a todo o custo. Para fechar as portas não são raras as vezes que é necessária intervenção de funcionários da estação e, depois das portas fechadas, os passageiros vão colados às mesmas.
Autarca do Seixal diz que é "chocante" a forma como utentes da Fertagus são transportados
O presidente da Câmara Municipal do Seixal, Paulo Silva, considerou "chocante" o modo como os passageiros circulam nos comboios da Fertagus "sem quaisquer condições e como sardinhas em lata" e exigiu uma resolução urgente do problema.
Paulo Silva (PCP), que realizou na manhã de hoje uma viagem entre Foros de Amora e Corroios, estações ferroviárias situadas no concelho do Seixal, disse aos jornalistas que decidiu verificar no local as dificuldades vividas pelos seus munícipes.
O autarca do Seixal, concelho do distrito de Setúbal com 170 mil habitantes, explicou que tem recebido várias dezenas de queixas tendo por isso solicitado já uma reunião com a administração da Fertagus.
"Decidi pedir uma reunião à administração da Fertagus e para estar melhor avalizado fiz a viagem para saber o modo como os meus munícipes estão a ser servidos e o que vi foi chocante, parece que vão como sardinhas enlatadas sem quaisquer condições. É urgente que este assunto seja resolvido", disse.
Paulo Silva adiantou que este serviço era reconhecido por ter qualidade, o que não corresponde à realidade atual.
Além da reunião com a administração da Fertagus, o autarca adiantou que o "funcionamento deficitário da empresa" será também abordado numa reunião que tem agendada com o ministro das Infraestruturas ainda durante esta semana.
Paulo Silva adiantou que tem de haver um investimento no material circulante da Fertagus para poder haver um aumento da oferta, mas defendeu também a importância de um investimento noutros meios de transporte do concelho, nomeadamente o Metro Sul do Tejo e o fluvial.
"É necessário, sem dúvida, que a segunda fase do Metro Sul do Tejo seja construída, mas há um pequeno troço de 1,8 km, desde a garagem do Metro Sul do Tejo até à estação dos Foros de Amora que passaria a servir mais 50 mil utentes da freguesia de Amora. São pequenas obras e seriam 50 mil pessoas que descongestionariam quer a Fertagus, quer também a Carris Metropolitana", disse.
Os constrangimentos vividos pelos utentes do serviço ferroviário que liga as duas margens, entre Setúbal e Lisboa, foram também já alvo de criticas por parte da presidente da Câmara Municipal de Almada, Inês de Medeiros (PS).
No dia 14 de janeiro a autarca deslocou-se à estação que fica no seu concelho (Pragal) e, em declarações públicas, alertou para a necessidade urgente de um reforço do número de carruagens nos comboios da Ponte 25 de Abril, de forma a resolver os constrangimentos registados.
A autarquia de Almada tem também recebido várias queixas de munícipes indicando que, desde que foram alterados os horários deste transporte, os comboios que partem de Setúbal enchem rapidamente deixando passageiros de fora, particularmente na estação do Pragal.
Inês de Medeiros acrescentou que a grande prejudicada do novo modelo é a população de Almada e do Seixal, porque quando os comboios chegam já vêm cheios.
Até dezembro, a circulação de comboios da Fertagus entre as estações de Setúbal e de Lisboa (Roma-Areeiro) nos dias úteis era de 30 em 30 minutos, mas, a partir de 15 de dezembro do ano passado, passou a ser de 20 em 20 minutos.
O aumento da oferta do horário de transporte ferroviário entre Lisboa e Setúbal através da Ponte 25 de Abril foi anunciado em novembro pelo Ministério das Infraestruturas e Habitação, no âmbito do alargamento do contrato de concessão da Fertagus por seis anos e meio, até 31 março de 2031.
Desde dezembro, vários utentes do serviço ferroviário prestado pela Fertagus têm vindo a denunciar, nas redes sociais e em alertas dirigidos às câmaras municipais de Almada e do Seixal que os comboios que partem de Setúbal enchem rapidamente, deixando passageiros de fora.
As primeiras queixas tornadas públicas surgiram relativamente à estação do Pragal, no concelho de Almada, mas o cenário de multidões nas plataformas e de dificuldades em conseguir entrar nas composições porque já se encontrarem cheias tem sido também descrito por utentes que usam o serviço a partir das estações de Coina, Foros de Amora e Corroios (no concelho do Seixal).
Na quinta-feira, a Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT) pediu informações à Fertagus sobre a insatisfação dos passageiros com os novos horários dos comboios.
"A AMT solicitou informações sobre quais as medidas concretas que foram adotadas pela Fertagus para mitigar esta situação, designadamente ao nível da comunicação e informação prestada aos passageiros, bem como medidas que estejam a ser equacionadas para assegurar a adequação da oferta à procura em condições de segurança e qualidade", lê-se num comunicado divulgado pela AMT.
O pedido de informação urgente surgiu na sequência de protestos dos utentes, indicando a AMT que analisará a informação a ser prestada pela Fertagus e que, caso se justifique, agirá em conformidade no sentido de assegurar o cumprimento contratual e garantir os direitos dos passageiros.
Os autarcas de Almada e Seixal pediram também esclarecimentos à empresa, enquanto os deputados do PS e do PCP denunciaram a "degradação do serviço da Fertagus" devido à insuficiência de material circulante.
A ligação ferroviária entre Lisboa e a Margem Sul foi inaugurada em 29 de julho de 1999, com o objetivo de retirar carros da Ponte 25 de Abril.
A travessia liga as estações de Roma-Areeiro, em Lisboa, a Setúbal, e conta com 10 estações na Margem Sul e quatro na capital.