À espera do fumo branco: quem será o sucessor do papa Francisco?

Para criar o fumo branco que sai da chaminé da Capela Sistina e anuncia a eleição do novo papa, os boletins de voto usados pelos cardeais são queimados com clorato de potássio, lactose e resina. Mas as expectativas é que, antes do fumo branco, a indicar que pelo menos dois terços dos eleitores escolheram o mesmo nome, ainda haja muito fumo negro. Este é criado graças à mistura de perclorato de potássio, antraceno e enxofre. Um pouco de ciência numa cerimónia que mudou pouco ao longo dos séculos.O conclave para eleger o sucessor de Francisco, que morreu na Segunda-feira de Páscoa aos 88 anos, começa esta quarta-feira, com uma missa na Basílica de São Pedro a partir das 10h00 locais (9h00 em Lisboa). A escolha é de cada um dos cardeais eleitores, que esperam tomar uma decisão guiados pelo Espírito Santo. Às 16h30, os cardeais reúnem-se na Capela Paulina para a Litania dos Santos, seguindo depois em procissão até à Capela Sistina.Sob os frescos do Juízo Final de Michelangelo, os cardeais fazem um juramento, comprometendo-se a cumprir fielmente o Munus Petrinum (a missão do sucessor de Pedro) caso sejam eleitos papas. Esse juramento também os obriga ao secretismo absoluto sobre o Conclave e a resistir a tentativas de interferência (sob pena de excomunhão).Dos 252 cardeais, há 135 que cumprem os requisitos para poderem eleger o sucessor do papa Francisco - têm menos de 80 anos. É o número mais elevado de sempre. Mas há três cardeais que vão estar ausentes da Capela Sistina: o espanhol Antonio Cañizares e o queniano John Njue, que por motivos de saúde nem viajaram até ao Vaticano, e o italiano Angelo Becciu, que foi condenado por crimes financeiros. Apesar de insistir na sua inocência, Francisco não o queria na sala e, apesar de ter resistido, acabou por se retirar da votação. .Um Conclave com cenário pintado por Michelangelo. Desde o momento em que o Conclave começa, os cardeais ficam isolados (sem acesso a telemóveis, televisão, rádio ou jornais). A palavra conclave significa “com chave” e caberá ao arcebispo italiano Diego Ravelli declarar “Extra Omnes” (todos para fora) e fechar a porta da Capela Sistina. Só quando houver fumo branco é que os cardeais são “libertados”. O espaço de reclusão estende-se à Casa de Santa Marta (a mesma onde o papa Francisco viveu), onde os cardeais estão alojados.No primeiro dia do Conclave haverá apenas uma votação - é o primeiro teste que permitirá ver de que forma estão divididos os cardeais, não sendo esperado fumo branco. Ao segundo dia, a história é diferente. Tanto Bento XVI como Francisco foram eleitos neste dia. Há quatro votações previstas, duas de manhã e duas à tarde. Com o maior número de cardeais eleitores de sempre e a necessidade de o escolhido obter dois terços dos votos (89 cardeais), a eleição pode contudo ficar para o terceiro dia. Mais do que isso, dizem os especialistas, a Igreja Católica passará uma imagem de divisão profunda. Se ainda não houver decisão, ao domingo os cardeais fazem uma pausa nas votações.O maior grupo de cardeais eleitores ainda vem da Europa, mas já só representa 38%, com Francisco a apostar no chamado Sul Global - é em África que o catolicismo mais cresce. Vindos dos quatro cantos do mundo (71 países estão representados no Conclave), os cardeais têm um problema: não se conhecem bem. Isso terá sido colmatado nos últimos dias, nas “congregações gerais”, onde todos os cardeais (incluindo os que não votam, o que não significa que não tenham tentado influenciar o resultado) discutem o futuro da Igreja. Jorge Mario Bergoglio destacou-se na intervenção que fez antes do Conclave de 2013, acabando por se tornar o papa Francisco.Apesar de 80% dos eleitores terem sido nomeados pelo argentino, não é certo que o sucessor seja alguém progressivo, como ele, ou será o escolhido mais conservador ou tradicionalista. Há vários cardeais entre os favoritos, conhecidos como papabili, mas nunca se pode fechar a porta a uma surpresa porque, diz o ditado italiano, “quem entra papa, sai cardeal”. Mas, caso este não se cumpra, quem são os favoritos?Pietro Parolin (Itália, 70 anos)Com mais de três décadas de experiência como diplomata, o secretário de Estado do Vaticano é um dos favoritos das casas de apostas. Mas um dos seus maiores sucessos, o acordo de 2018 com a China que deu uma voz a Pequim na nomeação dos bispos católicos, de forma a evitar um cisma na Igreja neste país, poderá ser a sua maior fragilidade. Nem todos os cardeais concordam com este acordo. Visto como um moderado, pode acabar por ser o candidato do consenso, entre o lado liberal e reformista e o lado conservador e tradicionalista.Matteo Zuppi (Itália, 69 anos)A Itália é o país com maior número de cardeais no Conclave (17) e depois de três papas consecutivos não-italianos, há quem acredite que é hora de voltar a ter um. Daí que haja mais do que um italiano entre os papabili. O arcebispo de Bolonha e presidente da Conferência Episcopal em Itália é outro diplomata como Parolin. Como membro da comunidade de Sant'Egídio, ajudou a mediar o fim da guerra civil em Moçambique (1992). Já em 2023, liderou uma missão de paz à Ucrânia. Internamente, é visto como tendo ligações políticas à esquerda e à oposição ao líder da Liga, o populista Matteo Salvini.Péter Erdö (Hungria, 72 anos)Se os cardeais estiverem atrás de uma forma diferente de liderança em relação a Francisco, a aposta pode ser o cardeal húngaro. Membro da ala mais conservadora da Igreja, o arcebispo metropolitano de Esztergom-Budapeste opõe-se a que os católicos divorciados possam receber a comunhão, assim como os casais do mesmo sexo. Também tem sido um crítico dos países europeus que aceitam os refugiados, comparando isso a “tráfico de seres humanos” - sendo visto como próximo do primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán.Jean-Marc Aveline (França, 66 anos)O arcebispo de Marselha seria, alegadamente, o “favorito” do papa Francisco para lhe suceder. Nascido na Argélia, foi viver para França aos 4 anos, após a Guerra da Independência. As dificuldades dos pais moldaram a sua preocupação com migrantes e exilados, defendendo também a importância do diálogo inter-religioso. De sorriso afável e fisicamente parecido com o papa João XXIII, é muitas vezes apelidado pelos media franceses como “João XXIV”. Luis Antonio Tagle(Filipinas, 67 anos)Foi outro que chegou a ser apontado como favorito de Francisco, apesar de ter sido criado cardeal ainda com Bento XVI em 2012 (já era um dos papabili no Conclave de 2013). Lidera as apostas para se tornar o primeiro papa asiático, sendo as Filipinas o grande país católico da Ásia e um dos com mais católicos do mundo. Liberal (talvez demasiado para os mais conservadores), tem sido defensor da comunidade LGBT e do divórcio (que é ilegal nas Filipinas), mas é contra o aborto. É visto como uma continuidade da política do argentino, sendo conhecido como o “Francisco asiático”, por causa da sua simplicidade e foco nos mais pobres. Lidera o plano de evangelização do Vaticano.Robert Sarah(Guiné-Conacri, 79 anos)Quinze séculos depois, será que África vai ter outro papa? E que será o primeiro negro? O antigo prefeito do Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos (reformou-se em 2021) pode ser um dos favoritos entre a ala mais conservadora da Igreja, sendo defensor da doutrina e da liturgia tradicionais. Por isso mesmo, aquele que chegou a ser o arcebispo mais jovem do mundo - tinha 34 anos quando o papa João Paulo II o nomeou - era visto como opositor às ideias mais liberais de Francisco. Em 2019, publicou um livro escrito a meias com Bento XVI em defesa do celibato dos padres, pouco antes do Sínodo da Amazónia de Francisco, no qual o tema ia ser discutido.Peter Turkson (Gana, 76 anos)Estava entre os papabili já no último Conclave, em 2013, e o seu nome volta a ser falado agora para voltar a dar um papa a África. Vindo de um continente conservador, o ex-presidente do Pontifício Conselho Justiça e Paz está mais próximo da ala mais liberal da Igreja, com uma postura progressista em questões LGBT (opôs-se à criminalização das relações homossexuais no Gana, onde uma lei foi aprovada nesse sentido) e em relação ao fim do celibato para os padres. Fridolin Ambongo Besungu (Rep. Dem. Congo, 65 anos)Oriundo do maior país católico do continente africano (onde os cristão enfrentam a ameaça de grupos jihadistas), o arcebispo de Kinshasa é outra aposta dos conservadores para um primeiro papa negro. Liderou a oposição à bênção aos casais do mesmo sexo (defendida por Francisco), considerando que essas uniões vão contra “as normas culturais” e são ”intrinsecamente más”. Com o aval do Vaticano, o presidente do Simpósio de Conferências Episcopais de África e Madagáscar conseguiu que a declaração Fiducia Supplicans não seja aplicada em África.Mario Grech (Malta, 68 anos)Inicialmente visto como conservador, o antigo bispo de Gozo (a pequena ilha de Malta onde nasceu) deixou essa reputação para trás quando foi nomeado secretário-geral do Sínodo dos Bispos por Francisco. E acabou por se tornar o maior defensor (além do próprio papa) da ideia de uma Igreja mais sinodal - em que todos os seus membros caminham juntos em igualdade - e da reforma progressista que esta implica. A sua escolha seria uma aposta na continuidade.Pierbattista Pizzaballa (Itália, 60 anos)Nasceu em Itália, mas fez da Terra Santa a sua casa desde os 25 anos. O atual patriarca Latino de Jerusalém é outro dos que se fala para suceder a Francisco, tendo no currículo a difícil tarefa de ajudar ao diálogo entre israelitas e palestinianos. Feito cardeal uma semana antes dos ataques do Hamas a 7 de outubro de 2023, o franciscano chegou a oferecer-se em troca das crianças que foram feitas reféns e, após ter autorização especial, rezou a missa na igreja em Gaza.José Tolentino de Mendonça (Portugal, 59 anos)O nome do cardeal português surge nalgumas listas de papabili, sempre com a referência de que pode ser um “papa poeta”. Nascido na Madeira, passou os primeiros anos de vida em Angola, sendo ordenado padre em 1990, no mesmo ano em que publicou os seus primeiros poemas. Doutorado em Teologia pela Universidade Católica, onde foi também professor e vice-reitor, ensinou também em várias universidades brasileiras. É atualmente prefeito do novo Dicastério para a Cultura e a Educação, tendo antes passado pelo Arquivo Secreto do Vaticano e pela Biblioteca. Em 2023, venceu o Prémio Pessoa por ser “uma das vozes fundamentais da poesia contemporânea portuguesa e europeia”, tendo-se também destacado “no ensino universitário, no ensaio de reflexão teológica e filosófica e na poesia”. É membro da ala progressista da Igreja Católica e pode ser o segundo papa português, depois de João XXI (setembro de 1276-maio de 1277)..Leão XIV contra “ateísmo prático” num tempo em que fé é vista como "absurda". Missa inaugural a 18 de maio

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