"Os ricos que paguem a crise.” Esta frase, pichada pelas paredes de Lisboa há umas décadas, ganha nova atualidade em França com o debate sobre a introdução de uma taxa para que os “ultrarricos” contribuam com mais impostos para uma economia gravemente endividada e com um défice preocupante. A ideia, além de desagradar aos visados, também é criticada à direita e divide os economistas.Nas últimas décadas as grandes fortunas cresceram de forma desproporcionada face ao resto do bolo. Instrumentos cada vez mais complexos de fuga ao fisco foram adotados, pelo que o topo da pirâmide dos contribuintes - em França, como noutros países - passou a ter uma carga fiscal menor do que aqueles situados no escalão de rendimentos inferior. Por exemplo, um estudo de 2023 do Instituto de Políticas Públicas de França, com dados de 2016, indica que as 75 maiores fortunas foram tributadas, em média, em 26% dos seus rendimentos. Já os 37.800 contribuintes que se seguem pagaram em média sobre 46% dos seus rendimentos. É contra esta injustiça fiscal que o economista Gabriel Zucman propõe a aplicação de uma taxa - entretanto cunhada com o seu apelido - de 2% sobre quem tem um património superior a 100 milhões de euros. Existem 1800 contribuintes nessa situação e, de acordo com seus os cálculos, a taxa pode render ao erário 20 mil milhões de euros. .1800Milionários e bilionários estariam sob a alçada da taxa, o que equivaleria a 0,01% do total dos contribuintes em França.. Aprovada na Assembleia Nacional em fevereiro, a taxa foi depois rejeitada no Senado, em junho. Mas as circunstâncias políticas mudaram com a queda do primeiro-ministro François Bayrou e a nomeação de Sébastien Lecornu. O primeiro apresentou aos franceses um plano de cortes de 43,8 mil milhões de euros, a refletir-se no próximo orçamento, mas não apresentava qualquer medida de agravamento fiscal aos bilionários. Lecornu, ao tomar posse há duas semanas, anunciou que iria tentar sair do bloqueio em que o governo minoritário se encontra, o que passa por negociar com o Partido Socialista. Este fez da taxa Zucman a sua bandeira. “É fundamental”, disse o líder da bancada socialista Boris Vallaud. “As mesmas causas produzem os mesmos efeitos: um primeiro-ministro que recusa ter em consideração as expectativas legítimas dos franceses - uma mudança de política - arrisca-se a sofrer as mesmas sanções que os antecessores”, continuou, referindo-se à hipótese de não sobreviver a uma moção de censura. . Os socialistas e o próprio Zucman escudam-se nas sondagens. A mais recente, realizada para o Le Point, mostra que 68% dos franceses estão de acordo com a criação da taxa (e que 25% gostaria de viver num país sem bilionários). Noutra sondagem, publicada pelo Le Parisien, 86% respondia de forma favorável à taxação dos mais ricos. “A prazo, estou otimista por uma razão muito simples: o imposto é apoiado por todos os eleitores. Todos compreenderam agora o problema. Os bilionários, incluindo todos os impostos obrigatórios, pagam metade dos impostos que a média dos franceses. Isto porque os seus rendimentos, alojados em holdings, escapam ao imposto sobre o rendimento”, disse Zucman numa entrevista ao Le Monde. Em declarações recentes, os dirigentes do campo macronista, que se opunham, tal como o presidente Macron a tal medida, reconhecem agora que os seus eleitores concordam com a ideia e que um acordo com o PS sobre este tema poderá ser inevitável. No entanto, os seus colegas de coligação mais à direita, os Republicanos, não têm a mesma opinião. O ministro do Interior, Bruno Retailleau, criticou as “velhas fantasias socialistas que já enfraqueceram terrivelmente a França”, mas não explicou o porquê da sua rejeição. A taxa idealizada pelo economista de 38 anos é criticada sobretudo porque se teme que os bilionários mudem de domicílio fiscal para outro país; que os empresários de novas empresas de tecnologia, altamente valorizadas mas ainda sem lucros nem liquidez, não possam cumprir as obrigações fiscais; e que a medida seja inconstitucional. O homem mais rico de França, Bernard Arnault, numa declaração ao Sunday Times, qualificou Zucman de “militante da extrema-esquerda” e “pseudo-universitário” e acusou-o de querer “arruinar a economia francesa”. Segundo Zucman, Arnault, patrão do grupo de produtos de luxo LVMH, recebeu 3 mil milhões de euros de dividendos em 2024 e não pagou um cêntimo de imposto sobre este valor.