Zelensky critica falta de coragem dos aliados e admite dificuldades
O momento é sombrio para a Ucrânia. Em fevereiro de 2022, no início da invasão russa, Volodymyr Zelensky recusou o exílio, pedindo armas e munições para o seu país se defender - e conseguiu, recuperando território parcialmente. Mas a desvantagem para um dos maiores e mais poderosos exércitos do mundo acentuou-se nos últimos meses quando os pedidos da liderança ucraniana para renovar os stocks começaram a cair em saco roto. Em entrevista à AFP, o líder ucraniano reconheceu as carências e o moral em baixo do exército e ao contrário do que disse Vladimir Putin, não descarta a hipótese de os russos tentarem capturar a cidade de Kharkiv, mas acima de tudo antevê uma nova ofensiva a norte e a leste. Horas depois, Moscovo anunciava a tomada de mais uma aldeia na região de Kharkiv, de onde já foram retiradas dez mil pessoas de localidades fronteiriças, segundo o seu governador.
Nos mais recentes dias, as forças russas passaram a controlar mais 278 quilómetros quadrados na região nordeste de Kharkiv, e não deverão tentar ficar por aí. Em visita à China, o chefe do Kremlin disse que o objetivo era tão-só de “criar uma zona de segurança” para proteger a cidade de Belgorod dos frequentes ataques ucranianos, rejeitando que o objetivo seja o de tomar a segunda maior cidade do país sob invasão. “Não existem tais planos até à data”, disse Putin. Para Zelensky, a realidade é outra: as forças russas “querem atacar” embora saibam que será “muito difícil”avançar para a cidade de um milhão de habitantes. “Eles compreendem que temos forças que irão lutar durante muito tempo.”
Sobre a ofensiva terrestre, o presidente ucraniano considerou estar “controlada” mas “não estabilizada”e crê que “poderá consistir em várias vagas” depois de esta primeira na região de Kharkiv, na qual os russos “estão a entrar mais profundamente” no território.
Citado pela Sky News, o coronel Pavlo Palisa, da 93.ª Brigada Mecanizada, em combate perto de Chasiv Yar, no Donbass, disse acreditar que a Rússia prepara-se para tentar romper as linhas ucranianas no leste, e que se avizinha “um período difícil para as forças armadas” - e mostrou-se pessimista. “Diria que é improvável que o tempo esteja do nosso lado, uma vez que uma guerra longa requer mais recursos.” Mas para já a urgência está em Kharkiv, região para onde Zelensky pede aos aliados o envio de duas baterias de defesa aérea Patriot, o que seria uma prova de união e força, o antídoto mais eficaz para combater o regime de Putin. “Eles são como uma fera... Se sentirem uma fraqueza algures nesta direção, vão avançar”, afirmou.
Na segunda-feira pode haver novidades neste campo, uma vez que se reúne de forma virtual o grupo de contacto presidido pelo secretário da Defesa dos EUA, e que junta cerca de 50 parceiros.
Depois de estimar que o seu país só tem um quarto dos meios necessários de defesa aérea, Zelensky aproveitou a ocasião para voltar a pedir mais aviões para a Ucrânia atingir a “paridade” aérea com a Rússia. Em concreto, disse que o seu país precisa de 120 a 130 caças F-16 ou de outros aviões atuais. Segundo o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, Kiev teria no início do ano 78 aeronaves, cerca de um décimo do que a Rússia possuía antes da invasão. As forças ucranianas conseguiram destruir ou danificar mais de cem aviões russos, entre bombardeiros, caças e de vigilância. No sábado, Kiev disse ter abatido um SU-25 em Donetsk. Mas os especialistas duvidam que os cerca de 45 F-16 que o país irá receber - os primeiros seis em julho - consigam o efeito desejado.
Sobre a alteração da lei que permite a conscrição de mancebos com 25 anos - antes era 27 anos - , Zelensky reconheceu haver “brigadas em grande parte vazias” e, como tal, há uma necessidade de reforçar as reservas para permitir a rotação dos soldados.
Da entrevista à agência de notícias, destaque ainda para a crítica aos parceiros e aliados que têm medo de que a Rússia perca a guerra e que não permitem a Kiev o uso das suas armas em território inimigo. “[Os russos] Podem disparar quaisquer armas do seu território contra o nosso. Não podemos fazer nada aos seus sistemas, que estão localizados no território da Rússia, com armas ocidentais”.
Enquanto desfez em poucas palavras a iniciativa do francês Emmanuel Macron de se observar uma “trégua olímpica”, o líder ucraniano depositou esperança no papel da China para se chegar à paz, apesar de crer que Pequim ver uma derrota russa “não como uma perda para a Rússia, mas uma vitória para os EUA”. Zelensky apelou para Pequim participar na Cimeira da Paz, que vai decorrer em junho na Suíça.
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