O objetivo da declaração conjunta da ONU assinada esta quinta-feira é pugnar pelo “restabelecimento das normas democráticas na Venezuela” e Portugal está entre os 50 signatários. Mas, em nenhum momento, se pede que as Nações Unidas intervenham na crise..No entanto, Portugal ainda não reconheceu nenhum resultado eleitoral após as presidenciais de 28 de julho, cujo desfecho (a vitória de Nicolás Maduro) tem sido amplamente contestada pela comunidade internacional, que já exigiu, por várias vezes, a consulta das atas eleitorais..Questionado pelo DN sobre o “posicionamento diplomático mais recente”, o Ministério dos Negócios Estrangeiros remeteu a resposta para um tweet, feito no dia 8 de setembro. Aí, Paulo Rangel reafirmou a sua “condenação liminar” à perseguição do regime de Maduro aos opositores venezuelanos e continuava a insistir na “necessidade de transparência eleitoral e de diálogo político”. .Dias antes, o chefe da diplomacia portuguesa dizia, no Summer CEmp (a Escola de Verão da Comissão Europeia em Portugal) que “enquanto não houver acesso a atas eleitorais, Portugal não reconhecerá qualquer resultado”, seja ele o reconhecimento da vitória da oposição, liderada por Edmundo González Urrutia (exilado em Espanha, ver peça ao lado), ou do regime de Nicolás Maduro. .Nesse fórum, Rangel defendia que o caminho era o da “moderação, havendo um diálogo para que se consiga fazer uma transição e, essencialmente, se consiga apurar o resultado da eleição”. Aí, Rangel mostrou-se ainda preocupado com a “questão dos detidos” e fez saber que o embaixador português falara com o MNE venezuelano, “por mais de uma vez”, exigindo a libertação destas pessoas - “algumas delas, duas ou três” até têm nacionalidade portuguesa..“Temos feito consultas com todos aqueles que são os atores que podem ajudar a resolver esta questão”, garantiu então o ministro dos Negócios Estrangeiros, terminando numa nota de esperança: “O regime parece entrincheirar-se e isso é, de facto, negativo. Julgo que há, apesar de tudo, algum espaço para se poder dialogar e conversa. Continuamos importante nessa posição. Temos dialogado com o regime, mas também com a oposição.”.Perante isto, não é a assinatura da declaração conjunta da ONU um contrassenso? “É uma declaração, ou uma uma simples manifestação de vontade. Por isso, não compromete ninguém”, explica ao DN a professora luso-venezuelana Nancy Gomes..Com isto, diz a investigadora na área das Relações Internacionais na Universidade Autónoma, Portugal “mostra a cautela necessária neste momento”, onde há um “Governo de facto, que se entrincheirou, com Nicolás Maduro a permanecer sentado em cima de uma baioneta”. “O Governo português mantém-se assim cauteloso”, analisa..Na declaração da ONU, os signatários recordam que “é tempo de os venezuelanos iniciarem discussões construtivas e inclusivas para resolver o impasse eleitoral.” Os países que subscreveram a declaração afirmam-se “gravemente preocupados com as denúncias de violações dos direitos humanos”, como “prisões arbitrárias, detenções, mortes e negação de garantias judiciais, bem como táticas de intimidação contra a oposição democrática.”.Entre os 50 países signatários não estão México, Colômbia e Brasil (que não reconhecem nenhum resultado das eleições). Rússia e China (que apoiam Maduro) não assinaram. Marrocos foi o único Estado árabe a assinar esta declaração..Este posicionamento mostra aquilo a que Nancy Gomes chama “uma concertação ampla” entre vários Estados “sobre a situação de crise, a fraude, a repressão e a violação dos Direitos Humanos”. Este é também o alinhamento de outros Governos da União Europeia e, por isso, a professora não espera “de Portugal nenhuma decisão diferente” nesta área..Contudo, é preciso que haja “mais pressão” ainda por parte “da comunidade internacional”, mas “é preciso que os sinais da vontade popular de mudança e de união dos opositores” que vêm da Venezuela “se mantenham vitais”..Em 2019, Portugal e UE reconheceram Juan Guaidó.Mas esta posição nacional é desde logo uma mudança face a tempos recentes. Em 2019, era Augusto Santos Silva o MNE, Portugal reconheceu Juan Guaidó como presidente do “governo interino” do país. .Decidindo “em linha com a posição da União Europeia”, o Governo português considerava que Juan Guaidó possuía a “necessária legitimidade para assegurar uma transição pacífica, inclusiva e democrática.” Esta posição, argumentava o Executivo, permitia “defender os interesses da vasta comunidade luso-venezualana” no país, estimada em cerca de 600 mil pessoas..Nessa altura, o Parlamento Europeu reconheceu o opositor venezuelano, manifestando “o seu total apoio ao roteiro por ele delineado.”.A decisão, no entanto, foi tomada de forma unilateral. Isto porque, na política comunitária, todas as decisões sobre política externa carecem de um consenso alargado. Ou seja: nenhum dos outros organismos da União Europeia, além do Parlamento, avançou com o reconhecimento de Guaidó. .No entanto, não foi por falta de tentativa. No comunicado feito após a sessão plenária (que aconteceu a 31 de janeiro desse ano), eurodeputados pediam que a então chefe da diplomacia europeia, Federica Mogherini, adotasse “uma posição firme e comum” sobre o assunto, reconhecendo Guaidó como “presidente interino legítimo” até que fosse possível “convocar novas eleições presidenciais livres, transparentes e credíveis” - algo que não viria a acontecer. .Guaidó perderia depois o apoio concedido pela UE e está exilado desde 2022.