Urso, o alvo da megaoperação no Rio que pode ter matado 119 pessoas, continua foragido
EPA/ANTONIO LACERDA

Urso, o alvo da megaoperação no Rio que pode ter matado 119 pessoas, continua foragido

Enquanto órgãos públicos e população da favela discordam sobre número total de vítimas e o governador do estado fala em "sucesso", o líder do Comando Vermelho, investigado por homicídios, incluindo de crianças, além de tráfico, extorsão e tortura, está foragido
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Não muito longe do local onde nesta quarta-feira, 29, moradores do Complexo da Penha recuperaram os corpos de cerca de 60 mortos nas matas da região, que se podem juntar, após perícia, aos 58 contabilizados oficialmente na terça-feira, quatro deles de polícias, e elevar para em torno de 119 o número de vítimas mortais na Operação Contenção, um grafitti com um urso gigante, de colete à prova de balas vestido e uma espingarda homenageia o Urso, nome de guerra de Edgard Alves de Andrade, o principal alvo da megaoperação policial no Rio de Janeiro que prendeu 113 operacionais do tráfico carioca. Mas não o criminoso de 55 anos, considerado foragido há oito.

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Urso é a principal liderança do Comando Vermelho (CV), maior organização criminosa do Rio, depois dos históricos Fernandinho Beira-Mar, preso em 2001, e Marcinho VP, detido desde 1996. Sucessor de Pedro Bala, desde 2016, Urso já domina a extensa região de 13 favelas no Complexo da Penha, na zona norte, mas, desde 2023, ordena e financia ataques a bairros vizinhos sob comando do rival Terceiro Comando Puro (TCP) e à zona oeste carioca, sob domínio das milícias, outro braço da criminalidade da cidade de 6,7 milhões de habitantes. 

Descrito pela polícia como discreto fora das favelas, exibe-se dentro delas com muito ouro e ao volante de motos de alta cilindrada, uma das suas paixões. O braço-direito atual de Urso tem até nome de guerra motorizado: BMW.

Urso, também conhecido como Doca, é investigado por 329 crimes, dos quais 112 são homicídios, incluindo tráfico de drogas, organização criminosa, tortura, extorsão, corrupção de menores e ocultação de cadáver. No total, tem contra si 34 mandados de prisão e uma recompensa por informações de 100 mil reais, cerca de 16 mil euros.

Foi preso uma única vez, em 2007, no bairro de Bangu, quando reagiu por horas aos tiros contra a polícia, o que aumentou a sua reputação dentro do CV. Mais tarde foi solto e desde 2017 está foragido. 

Entre os crimes de que é acusado, alguns tiveram repercussão, como a execução de três crianças no bairro Belford Roxo por terem roubado uma gaiola com pássaros do tio de um traficante. Supostamente, os autores materiais queriam apenas torturar as vítimas mas foram longe demais. 

Urso foi considerado ainda o mandante da execução, por engano, de três médicos numa conferência na Barra da Tijuca, um deles irmão de uma deputada federal, confundidos com milicianos, em 2023. Dois irmãos, Rodolfo e Lucas Brito, que cederam a casa à polícia durante uma operação anos antes, foram levados para uma região da favela chamada Vacaria para serem executados e queimados. Janayna Paixão, 22 anos, foi morta pelo tribunal do tráfico por, segundo o namorado, ser informante da polícia. Um rival na favela do Quitungo, membro do TCP, foi decapitado: a viúva levou a cabeça do marido à delegacia de polícia para registar o crime.

Urso, ou a Tropa do Urso, como são chamados os criminosos sob sua orientação, atacou até uma delegacia de polícia, em Duque de Caxias, cidade vizinha do Rio, ferindo dois polícias e torturando outro, em fevereiro deste ano. O objetivo era resgatar o traficante aliado Rodolfo Viana, conhecido como Rato, preso horas antes na favela Vai Quem Quer.. 

EPA/ANTONIO LACERDA

Em 2021, tentou o resgate de um preso numa cadeia de Bangu por helicóptero. E, em 2022, envolveu-se numa guerra sangrenta com o TCP pelo controle do Complexo de São Carlos.

Nas ações, a Tropa do Urso usa grupos específicos, como a Equipa Sombra, focada em conquista de territórios, ou a Equipa Ódio, especializada em ataques ao TCP.

EPA/ANTONIO LACERDA

Urso já fora alvo de uma operação em setembro de 2024, a Buzz Bomb, contra granadas lançadas por drones, antes da ação policial de terça-feira, 28. Porém, na Operação Contenção, os traficantes usaram esse método para enfrentar os 2500 polícias no terreno. A operação conseguiu a prisão de 113 pessoas, a apreensão de 93 espingardas, e a detenção de outros líderes, como Thiago do Nascimento Mendes, Belão do Quitungo, ou Nicolas Soares, uma espécie de tesoureiro do Urso. Mas o Urso escapou.

Apesar disso e de mais de uma centena de mortos, Cláudio Castro, o governador do estado do Rio, falou em "só quatro vítimas [referindo-seaos polícias]" e em "sucesso da operação". Por sua vez, o presidente Lula da Silva, citado por Ricardo Lewandowski, ministro da Segurança Pública, ficou "estarrecido" com o número de mortos e por Brasília não ter sido informada da ação. António Guterres, secretário-geral da ONU, pediu "investigação imediata" à forma como a operação foi conduzida.   

Entretanto, morto ou vivo, preso ou foragido, Urso já é um símbolo dos criminosos, homenageado até na música “Selva do Urso”, do rapper Oruam, filho de Marcinho VP, que canta “na Selva do Urso nóis [sic] é o assunto”.

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