UE deplora "ação unilateral" do Reino Unido e admite retomar ações legais
Numa declaração à imprensa em Bruxelas, sensivelmente ao mesmo tempo que o Governo de Boris Johnson apresentava em Londres a sua proposta de lei, o vice-presidente da Comissão responsável pelas Relações Interinstitucionais (e pelo 'pós-Brexit'), Maros Sefcovic, disse que é com "significativa preocupação" que Bruxelas toma nota da decisão britânica de avançar com legislação que 'atropela' "elementos centrais" do Protocolo, "parte integrante do Acordo de Saída" negociado longamente entre UE e Reino Unido.
Reiterando que "a União Europeia não irá renegociar o Protocolo", já que tal "é irrealista", pois durante as longas negociações com Londres sobre o Acordo de Saída "não foi encontrada qualquer solução alternativa viável para este equilíbrio delicado" e "qualquer renegociação iria simplesmente trazer mais incerteza jurídica para as pessoas e empresas na Irlanda do Norte", Sefcovic voltou a lamentar esta "ação unilateral" de Londres, que, sublinhou, "é prejudicial à confiança mútua".
Segundo o vice-presidente, "a Comissão irá agora avaliar o projeto de legislação do Reino Unido", com o objetivo de sempre, o de "assegurar a implementação do Protocolo", e a "reação à ação unilateral do Reino Unido refletirá esse objetivo e será proporcional", tendo Sefcovic acenado desde já com a possibilidade de o executivo comunitário recorrer à Justiça para garantir o cumprimento de compromissos juridicamente vinculativos.
"Como primeiro passo, a Comissão considerará prosseguir o processo por infração iniciado contra o governo do Reino Unido em março de 2021. Tínhamos suspendido esta ação legal em setembro de 2021, num espírito de cooperação construtiva para criar o espaço de procura de soluções conjuntas, mas a ação unilateral do Reino Unido vai diretamente contra este espírito", disse então.
O vice-presidente acrescentou que "a Comissão irá também considerar o lançamento de novos processos de infração que protejam o mercado único da UE dos riscos que a violação do Protocolo cria para as empresas da UE e para a saúde e segurança dos cidadãos da UE."
"Paralelamente, e em consonância com o forte e antigo compromisso da UE para com as empresas e os cidadãos da Irlanda do Norte, em breve apresentaremos em maior detalhe o nosso modelo para a implementação flexível do Protocolo, baseado em soluções duradouras no âmbito do mesmo. Tal demonstrará que existem soluções para as questões levantadas pelas empresas e pela população da Irlanda do Norte", completou.
Esta segunda-feira, ainda antes da apresentação da proposta de lei no Parlamento britânico, o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, considerou apenas "ajustes triviais" as alterações ao acordo do 'Brexit' contempladas na mesma. "É uma alteração burocrática que precisa de ser feita. Francamente, é um conjunto relativamente trivial de ajustes no grande esquema de coisas", disse numa entrevista à rádio LBC.
Segundo Johnson, o "maior e mais antigo compromisso legal como país é com o acordo [de paz] de Belfast/Sexta-feira Santa, com o equilíbrio e estabilidade desse acordo".
O Governo britânico apresentou uma proposta de lei para alterar unilateralmente o Protocolo da Irlanda do Norte, a qual garante que não vai violar o direito internacional.
A legislação vai dar aos ministros poderes para desaplicar partes do Protocolo, que foi desenhado entre o Reino Unido e UE como parte do Acordo de Saída do Reino Unido do bloco europeu para manter a fronteira terrestre na Irlanda aberta.
O acordo do Brexit introduz controlos e documentação adicional sobre mercadorias que circulam entre o Reino Unido e a província da Irlanda do Norte, atrito que foi criticado por empresas e pelos partidos unionistas, que são pró-britânicos.
O Protocolo mantém na prática a Irlanda do Norte dentro do mercado único de mercadorias da UE, ficando o território sujeito a normas e leis europeias.
A decisão do Reino Unido de "renegar" um tratado internacional também foi considerada "muito lamentável" pelo primeiro-ministro irlandês, Micheál Martin.
Em declarações aos jornalistas, disse que "essencialmente anunciar a violação unilateral de um acordo internacional é um assunto bastante sério e não pode ser simplesmente posto de lado".
"É uma questão muito séria porque vai ao cerne da questão da confiança e a União Europeia precisa de ter um parceiro de confiança com quem negociar", justificou.