Aquando da visita à Coreia do Sul, na semana passada, Donald Trump recebeu do seu homólogo a réplica de uma coroa dourada. Dias antes, perante as manifestações que levaram às ruas mais de sete milhões de norte-americanos a protestar contra o que consideram uma forma de exercer o poder mais consonante com uma monarquia absolutista do que com uma república democrática, o presidente respondeu com um vídeo criado por inteligência artificial, no qual um avião do “rei Trump” deitava excrementos aos manifestantes. Se, para lá do decoro e do respeito, nada impede que quem está sentado na Sala Oval exprima as suas emoções daquela forma, dando lastro ao termo que usou uma e outra vez sobre os seus críticos, “o inimigo interno” - e para o qual propõe que seja esmagado pelo exército -, não é menos verdade que nas últimas horas os limites da influência e dos poderes presidenciais aparentam ter tocado nos seus limites: derrota em toda a linha nas eleições; incapacidade para pôr fim à mais longa paralisação da administração federal, e até de influenciar os senadores republicanos; e dificuldades para convencer o Supremo Tribunal da legalidade da sua política tarifária. As eleições de terça-feira foram vistas pelos democratas como um referendo a Donald Trump. Na Virgínia e em Nova Jérsia, as candidatas democratas venceram a corrida ao cargo de governadora depois de uma campanha centrada na defesa dos cidadãos perante as políticas do presidente, em particular o aumento do custo de vida. .EUA. Luta por um custo de vida acessível parece ser a chave para o sucesso democrata.Em Nova Iorque, o apelo de última hora de Trump para os eleitores escolherem o ex-governador democrata Andrew Cuomo não colheu e o democrata da ala socialista Zohran Mamdani, que prometeu baixar o custo de vida dos habitantes, foi elevado a adversário da Casa Branca, com um discurso de vitória desafiador. “Nova Iorque continuará a ser uma cidade de imigrantes, uma cidade construída por imigrantes, alimentada por imigrantes e, a partir de hoje à noite, liderada por um imigrante. Ouça-me, presidente Trump, quando digo isto: para chegar a qualquer um de nós, terá de passar por todos nós”, proclamou. Na Califórnia, o governador Gavin Newsom, que continua a trilhar caminho para ser o candidato democrata às presidenciais de 2028, viu aprovada a sua iniciativa de redistribuição de lugares para a Câmara dos Representantes. A proposta 50 recebeu o sim de 63,9% dos californianos. Na prática, se a tendência eleitoral se mantiver, os democratas esperam eleger mais cinco representantes nas eleições intercalares do próximo ano. Neste momento, 43 dos 52 eleitos californianos são democratas. A medida foi uma resposta direta à redistribuição ocorrida no Texas, onde os republicanos também deverão eleger mais cinco representantes. Sob pressão de Trump, outros estados republicanos avançaram com medidas similares (Ohio, Missouri e Carolina do Norte) e poderá não ficar por aqui. O presidente, que nada viu de errado nessas alterações, censurou a ocorrida na Califórnia: “O inconstitucional voto de redistribuição na Califórnia é uma fraude enorme, uma vez que todo o processo, em particular a votação em si, está manipulado.” Trump e os republicanos estão cientes de que a maioria na Câmara, neste momento por um fio, corre o risco de se perder. O presidente daquele órgão, Mike Johnson, disse ter chamado a atenção do presidente para a importância da próxima votação, porque se os democratas tomarem a Câmara irão tentar destituir Trump, crê. “O presidente precisa de quatro anos para concluir a sua agenda, não apenas dois, portanto, ele estará, num sentido muito real, no boletim de voto.”.A conversa de Johnson deu-se no aniversário da vitória de Trump sobre Joe Biden e na ressaca da derrota de terça-feira. O presidente convidou os senadores - que, ao invés dos representantes, se mantêm em atividade legislativa - e responsabilizou o encerramento dos serviços federais pelos resultados eleitorais. O shutdown mais longo do país, iniciado em 1 de outubro, deve-se sobretudo à falta de acordo dos democratas sobre os cortes previstos na Uma lei Grande e Bonita - a lei orçamental -, em especial os que deixarão 17 milhões de cidadãos sem acesso aos seguros de saúde. Mas Trump recusou-se até agora a negociar e os líderes do Partido Republicano no Congresso dizem que só estão abertos a negociar depois de terminado o shutdown. .Câmara dos Representantes aprova "uma lei grande e bonita". Saiba o que diz nas mais de mil páginas.“Temos de abrir o país. E a forma como o vamos fazer esta tarde é terminar com o filibuster”, disse em referência à ferramenta no Senado que na prática exige uma maioria de 60 votos em 100 para aprovar a generalidade das leis. “Aprovaremos legislação que nunca viram antes, e será impossível derrotar-nos”, prometeu Trump. Mas os senadores do seu próprio partido não se mostraram convencidos. “Simplesmente não vai acontecer”, disse o líder da maioria no Senado, John Thune, num raro momento de oposição dos republicanos ao presidente. De nada valeu a Trump - que na sondagem para a CNN bateu o recorde negativo da taxa de desaprovação, 63%, mais um ponto percentual do que quando terminou o primeiro mandato - acenar com a ameaça de que os democratas irão acabar com o filibuster no futuro e em sequência nomear mais juízes para o Supremo (uma prerrogativa presidencial). Supremo Tribunal que na quarta-feira questionou o solicitador-geral, isto é, o representante do governo federal, sobre a legalidade da política tarifária. Composto por uma maioria conservadora, o coletivo de juízes tem respondido, no geral, de forma positiva à administração Trump - e em especial ao próprio, quando lhe concedeu uma larga camada de imunidade sobre os atos cometidos durante a presidência. No entanto, a avaliar pelas intervenções de três juízes conservadores, a política de onerar os cidadãos com impostos sem autorização do Congresso, e através de uma lei de emergência económica que nem sequer prevê o uso das taxas aduaneiras, poderá vir a ser derrubada pelo Supremo. Trump disse que tal seria “catastrófico para a economia” e que este é o caso mais importante da história do país. Mas vários especialistas alegam que os mesmos juízes que limitaram as políticas económicas de Biden - por exemplo, quando não permitiram o perdão da dívida dos estudantes universitários ou a obrigatoriedade de testes ou vacinação nas grandes empresas durante a pandemia - cairiam no ridículo se agora permitissem a política tarifária que é imagem de marca de Trump.